Mark Tansey Monte Sainte Victoire

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Querelle des Anciens et des Modernes.

Jurgen Habermas na defesa da modernidade enquanto um “projeto incabado” em seu livro “Discurso Filosófico da Modernidade” aponta que “é primeiramente no domínio da crítica estética que se toma consciência de uma fundamentação da modernidade a partir de si própria, e isso se torna claro quando se traça a história do conceito de “moderno”. “O processo de separação do paradigma da arte antiga é iniciada na célebre Querelle des Anciens et des Modernes. O partido dos modernos insurge-se contra a idéia que o classicismo francês tem de si próprio, assimilando o conceito aristotélico de perfeição ao do progresso tal como fora sugerido pelas modernas ciências da natureza. Os “modernos” põem em questão, com argumentos de crítica histórica o sentido de imitação dos modelos antigos, em face das normas de uma beleza absoluta, aparentemente desligada do tempo, elaboram os critérios de um belo relativo e condicionado pelo tempo e, dessa forma, articulam a autocompreensão do Iluminismo francês, como recomeço epocal. Conquanto o substantivo modernitas (juntamente com os adjetivos antiqui/moderni fosse já usado no sentido cronológico desde os fins da Antiguidade) (...). só muito tarde, mais ou menos, a partir do Século XIX, é que o adjetivo moderno foi substantivado, e de novo, pela primeira vez no domínio das Belas Artes”. Assim se explica as expressões modernidade, Moderne, Modernität, modernité, que conservam até hoje um cerne de significado estético pela autocompreensão da arte de vanguarda. (Habermas, p. 19-20).

Habermas também relata, com base na análise dos textos de Hegel, que a idade moderna elabora um “ diagnóstico dos novos tempos e a análise das eras passadas” em mútua relação. “A isso corresponde a nova experiência do progredir e da aceleração dos acontecimentos históricos, e também, a compreensão da simultaneidade cronológica de desenvolvimento não simultâneo. É então que se cria a representação da história como processo homogêneo criador de problemas”, do tempo concebido como pressão. O espírito da época [Zeitgest] caracteriza o presente como uma transição que se concome entre a consiência de aceleração e a expectativa do que há de diferente. (Habermas, p. 17).

Os Antecedentes da Querelle des Anciens et des Modernes na Arquitetura
A Academia Real era o dispositivo de controle da qualidade da arquitetura e da construção, nos séculos XVII e XVIII (período pré revolucionário). A Academia constitui o referencial teórico que condicionava a ação dos arquitetos, conferindo lhes uma relativa autoridade de exercer a profissão. A L’académie Royale D’architecture foi criada em 1671  por Colbert, ministro de Luis XIV (LASSANCE).
A L’académie Royale D’architecture tinha como missão oficial aconselhar a Superintendência dos Edifícios do Rei. Pretendia também perpetuar uma determinada maneira de construir, que fizesse a arquitetura a forma de expressão do Estado absolutista, expressão do seu poder. Constitui-se como a primeira forma institucionalizada de ensino, privilegiando o estudo das ordens clássicas e sua utilização como verdadeiros cânones da academia. A academia impunha o domínio das regras da arquitetura em relação ás regras e as técnicas da construção (LASSANCE).
Esta autoridade balizada pelo rei colocou os arquitetos em concorrência direta com outros agentes da construção como as corporações de ofício que comandavam o setor da construção desde a Idade Média,  assim como os engenheiros civis formados pela Ecole des Ponts et Chaussées, fundada em 1747. Os engenheiros competiam com os arquitetos porque se atribuem (e abarcam), às vésperas da Revolução Francesa, todo o vasto domínio do planejamento e do equipamento urbano e territorial. Os arquitetos, então, resolveram aproximar-se do racionalismo iluminista. Assim os preceitos de Vitrúvio (29 D.C.) foram adaptados ao conhecimento científico da época. Uma faceta dessa discussão constitui-se, exatamente, a querela (disputa, polêmica) entre os antigos e os modernos (LASSANCE): Querelle des Anciens et des Modernes.
Os dois principais antagonistas da disputa entre os antigos e modernos foram François Blondel (partido dos antigos) e Claude Perrault (modernos). O motivo da discussão foi uma publicação do antigo tratado de Vitrúvio por Claude Perrault (1613-1688), que traduz e edita os Dez livros de Arquitetura de Vitrúvio em 1673. Este é acompanhado de muitas gravuras e notas que são interpretações do texto antigo e não cópias do original  Estas interpretações provocam um debate e disputa entre Perrault e Blondel.
A posição de François Blondel (1618-1686), publica seu livro “enseignement à l’Académie royale d'architecture de 1675 à 1685” sous le titre " Cours d’architecture ". Nesta publicação, Blondel expressa sua compreensão dos conceitos de proporção, sua concepção de beleza que se opõe a de Claude Perrault e de seu irmão Charles, autor de "Parallèle de l’architecture antique avec la moderne " que provoca em1650 la querelle des Anciens et des Modernes.
A polêmica era basicamente uma discussão estética, sua questão principal era: A beleza é conseqüência de regras válidas ou vem imposta pelo prestígio dos antigos?
François Blondel acreditava que existia uma beleza em si, proporcionada pela natureza, e as proporções que os arquitetos combinam as formas demonstravam que carregavam em si a idéia de beleza. Blondel ligado à academia real estava interessado numa linguagem universal, contra a degenerência individualista que a posiçãode Perrault possibilitaria.
Claude Perrault, acostumado ao método analítico de diversas espécies e buscas de causalidades. Invocava a diversidade de opiniões. E discordava da idéia que a regras de proporção deveriam ser invariáveis. Para ele existiam regras diversas para construir de acordo com diversas intenções de fazer um edifício maciço ou elegante. Perrault distingue dois tipos de beleza: a de valor permanente e universal e a que tem valor transitório, ligada ao costume e a moda. Perrault dizia que regras feitas a 3000 anos não pode regular o que se faz hoje (sec. XVII). Tudo muda inclusive a beleza e as idéias.

Por fim declarava-se que o “gosto” não dependia mais de uma proporção ou regra, mas da emoção/ sentimento do espectador. Em 1793, a academia foi extinta, e firam explícitas as contradições entre Racionalismo e academicismo.
Na querela entre os antigos e modernos estava em jogo a definição da “verdade da natureza dos estilos” e sua razão histórica. Os antigos defendiam o valor mítico enquanto os modernos mostravam o seu caráter instrumental e racionalizador. A defesa do código clássico não resistia a confrontação com os vestígios dos edifícios da antiguidade que eram analisados (Lassance, op. Cit.) Por fim os modernos “vencem” e ocorre a distinção entre ordem, estrutura e códigos estilísticos. A estrutura construtiva adquire valor de essência; a equiparação entre estrutura e ordem torna-se uma condição estrutural e compositiva. Ainda, os modernos põem em questão o sentido da imitação dos modelos antigos, em face das normas de uma beleza absoluta, deslocada no tempo, e elaboram critérios de um belo relativo e condicionado pelo tempo.
Na querela entre os antigos e modernos a crítica, a recusa de ser governado por uma autoridade mítica podem-se verificar a dúvida a confiabilidade dos antigos tratados, métodos que buscavam garantir a “perfeição da experiências do projeto e construção, tal como indica o primeiro ponto da critica à governabilidade Foucault (em o que é a crítica?) “a Escritura era verdadeira?” e ainda da dúvida em face da autoridade. Como dito acima por Lassance : “A defesa do código clássico não resistia a confrontação com os vestígios dos edifícios da antiguidade que eram analisados” sobretudo nas escavações arqueológicas.

Referências
HABERMAS, Jürgen. O Discurso Filosófico da Modernidade. Lisboa: Presença. 1990.
LASSANCE, Gulherme. Ensino e teoria da Arquitetura na França do século XIX. In Leituras em Teoria da Arquitetura. Ed.Viana & Mosley

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