Mark Tansey Monte Sainte Victoire

sábado, 29 de outubro de 2011

A visão romântica/ Benedito Nunes: as Categorias do Romantismo

NUNES, Benedito. A Visão Romantica (cap. 3) In. GUINSBURG, J. O Romantismo. São Paulo: Perspectiva, 1993, 3a. ed.

As Categorias do Romantismo

O dualismo, a antítese é o princípio motor, o princípio passional, dialético e esirituoso. (Naphta a Settembrinii) - THOMAS MANN, A Montanha Mágica.

On n'a jamais bien jugé le romantisme. Qui l'aurait jugé? Les Critiques!! Les Romantiques? qui provent si bien que Ia chanson est si peu souvent l’oeuvre, c'est-à-dire la pesée chantée et comprise du chanteur. - RIMBAUD.


Por uma questão de método, convém que se reformule, como requisito prévio à abordagem da visão romântica, a distinção das duas categorias implícitas no conceito de Romantismo: a psicológica, que diz respeito a um modo de sensibilidade, e a histórica, referente a um movimento literário e artístico datado.

A categoria psicológica do Romantismo é o sentimento como objeto da ação interior do sujeito, que excede a condição de simples estado afetivo: a intimidade, a espiritualidade e a aspiração do infinito, na interpretação tardia de Baudelaire. Sentimento do sentimento ou desejo do desejo, a sensibilidade romântica, dirigida pelo "amor da irresolução e da ambivalência", que separa e une estados opostos ‑ do entusiasmo à melancolia, da nostalgia ao fervor, da exaltação confiante ao desespero, contém o elemento reflexivo de ilimitação, de inquietude e de insatisfação permanentes de toda experiência conflitiva aguda, que tende a reproduzir-se indefinidamente à custa dos antagonismos insolúveis que a produziram. Pelo seu caráter conflituoso interiorizado, trata-se, portanto, considerada assim, de uma categoria universal. Mas somente na época do Romantismo, esse modo de sentir concretizou-se no plano literário e artístico, adquirindo a feição de um comportamento espiritual definido, que implica uma forma de visão ou de concepção do mundo.
No movimento romântico, que se desenvolveu entre as duas últimas décadas do século XVIII e os fins da primeira metade do século XIX, quando, num período de cronologia oscilante, verifificou-se a grande ruptura com os padrões do gosto clássico, prolongados através do neoclassiscismo iluminista, fundiram-se várias fontes filosóficas, estéticas e religiosas próximas, e reabriram-se veios mágicos, míticos e religiosos remotos. Pela variedade de seus aspectos, extensivos, para além da literatura e da arte, a todas as dimensões da cultura, pela diversidade das posições contrastantes que abrangeu, o Romantismo foi, na verdade, uma confluência de vertentes até certo ponto autônomas; vinculadas a diferentes tradições nacionais.


A primazia da vertente alemã (de 1796 em diante), a primeira a empregar, numa conotação crítica e histórica, a palavra romântico, e que selaria a fortuna teórica desse termo, o qual passou desde então a significar um estado da poesia e uma atitude em relação à literatura, resultou de uma ascendência intelectual; pois que ligada ao classicismo de Weimar (Goethe e Schiller), e particularmente sensibilizada pela problemática schilleriana da poesia ingênua dos antigos e da poesia sentimental dos modernos, a escola germânica nasceu no clima universitário, estimulante de Iena, de uma geração posterior ao Sturm und Drang, ao mesmo tempo que o idealismo pós-kantiano.

As matrizes filosóficas da visão romântica do mundo podem ser localizadas nas espécies complementares desse idealismo- a metafísica do Espírito de Fichte e a metafísica da Natureza de Schelling , que derivaram do criticismo de Kant. Não se deverá, contudo, identificar a visão romântica do mundo com a filosofia do Romantismo, que designa o conjunto dos sistemas idea­listas e das doutrinas posteriores a Kant, inclusive a teologia sentimental de Schleiermacher, o realismo mágico de Novalis, menos o idealismo de Hegel.
A grande ruptura dos padrões clássicos, que projetou o Romantismo como fenômeno da história literária e da evolução das artes, foi o efeito mais exterior e concentrado de um rompi­mento, interior e difuso, no âmago das correlações significativas da cultura, rompimento que se aprofundou, ainda na primeira metade do século XIX, com o desenvolvimento da sociedade industrial, e do qual a reação contra o sistema das idéias do Iluminismo, desde as nascentes do movimento romântico, já era a manifestação preliminar. Se a visão romântica pode ser considerada como visão de época, não é no sentido de uma Weltanschauung, configurada através de uma forma artística, de um estilo histórico determinado, e sim no de uma concepção do mundo relativa a um período de transição, que se situa entre o Ancien Régime e o liberalismo, entre o modo de vida da sociedade pré-industrial e o ethos nascente da civilização urbana sob a economia de mercado, entre o momento das aspirações libertárias renovadoras das minorias intelectuais, às vésperas do grand ébranlement de 1789, e o momento da conversão ideológica do ideal de liberdade que essas minorias defenderam, no princípio de domínio real das novas maiorias dirigentes, firmadas com o Império Napoleônico e após a Restauração.

A essa concepção do mundo, preponderantemente idealista e metafísica, percorrida por um afã de totalidade e de unidade, próprio da sensibilidade conflitiva que a impulsionou, e polarizada por sentimentos extremos e atitudes antagônicas, comportando uma vivência da Natureza física, um senso do tempo e um poder mitogênico; a essa concepção do mundo, que separou do universo cultural a literatura e a arte, transformando-as na instância privilegiada de uma só atividade poética, supra-ordenadora das correlações significativas da cultura, concomitantemente ligada à afirmação do indivíduo e ao conhecimento da Natureza; a essa concepção do mundo corresponde o Romantismo estritamente considerado, que conjuga e solidariza as duas categorias, a psicológica e a histórica, antes referidas, do conceito respectivo. Mas assim delimitada, a visão romântica, que se interrompe com o advento da modernidade, não esgota o alcance do Romantismo.
(...)
O caráter sintomal dos aspectos constitutivos da visão romântica recobre o largo espectro dos fenômenos que indicam a mudança das estrutu­ras da sociedade pré-industrial: a separação da arte quer do artesanato quer do modo de produção industrial que se iniciava, o começo da de­pendência dos produtos literários e artísticos às leis concorrenciais do mercado, a justificativa ideológica da religião como instrumento legitimador do poder e da ordem - que denuncia o arrefecimento do sagrado -, o nivelamento dos valores morais à regra benthamiana do maior interesse e da melhor utilidade, a marginalização social de toda atividade improdutiva, o princípio fiduciário da moralidade burguesa, as relações possessivas da moral doméstica e do casamento, a separação entre as esferas sexual e sentimental do amor, o filisteísmo como atitude da maioria dominante em relação às letras e às artes - desde então confinadas ao plano da neutralizante respeitabilidade que constitui a cultura estética - e, por fim, a mecanização e a racionalização da vida, posteriormente as relações comunitárias dentro de uma civilização cada vez menos rural e cada vez mais urbana.
A estrutura social emergente dessas mudanças não oferecerá ao processo de individualização condutos abertos para a vida coletiva. Tornada menos móvel e mais estranha, como um mecanismo alheio à consciência, atrofiando a individualização à falta de reajustamentos internos, a vida coletiva contribuirá para "a alienação, a introjeção, a subjetividade e a introversão das energias sublimadoras".
(...)
A rebeldia contra a disciplina do gosto clás­sico, que concentrou essas posições reativas, reabriu, de fato, na transição do século XVIII para o século XIX, como pensa Max Scheler, a disputa entre os antigos e os modernos, que se declarara muito antes no âmbito do humanismo renascentista. Mas se, em virtude disso, pode o Romantismo ser incluído, do ponto de vista sociológico, na categoria dos movimentos juvenis, o certo é que o seu ímpeto rebelde, estendido à sociedade e à cultura, ao sabor de uma sensibilidade conflitiva, nasceu enfermiço e envelheceu depressa.
(grifo nosso)
As idéias da visão romântica do mundo nascem em oposição às do Iluminismo, e agrupam-se, como estas, de maneira ordenada, num esquema de caráter sistemático. As matrizes filosóficas que permitem encadeá-las, e que imprimem ao esquema que elas compõem a unidade de uma constelação de princípios interdependen­tes, procedem de uma combinação das linhas mes­tras das doutrinas idealistas pós-kantianas de Fichte e de Schelling. (...)
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Um comentário:

Rocio disse...

Eu acho que é um tema muito interessante para discutir entre todos, mas também é importante para ler mais sobre ele, é por isso que nós sempre temos que estar bem no olho, e ultimamente estou usando lentes bausch e lomb