Mark Tansey Monte Sainte Victoire

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Bibliografia teorias da arte (aula dia 7 de novembro)

Argan, Giulio Carlo. Arte e Crítica de Arte. Lisboa. Editorial Estampa. 1988
_________________. Arte Moderna. São Paulo. Companhia das Letras. 1992
ARGAN, Giulio Carlo, e FAGIOLO, Maurizio. Guia de História da Arte. Lisboa: Estampa. 1992
DE FUSCO, Renato. História da Arte Contemporânea. Lisboa: Presença.1988
________________. A Idéia de Arquitetura. Lisboa: Edições 70; São Paulo: Martins Fontes, 1984
________________. El pensamiento de Gottfried Semper, 1970. In PATETTA, Luciano. História de la Arquitectura, Antologia Crítica, Madrid : Hermann Blume. 1984, pp. 231-2
RIEGL, Alois. Problemas de Estilo, Fundamentos para una história de la ornamentación.  Barcelona: Gustavo Gili. ( trad. Federico Saller, 1ª ed 1893), 1980
SEMPER, Gottfried, Style in the technical and tectonical artes or, pratical aesthetics (texts & documents). Getty Reserach Institute, 2004
SMITH, Paul e, WILDE, Carolyn. (ed.). A Companion to Art Theory. Oxford, UK: blackwll, 2002
WORRINGER. Wilhelm. Abstracion y Naturaleza. México: Fundo de Cultura Econômica. 1953
VALLIER, Dora.  A Arte Abstrata. Lisboa: Edições 70. (1ª ed. 1966), 1986

A dupla direção da arte no século XX

A dupla direção da arte no século XX segundo Renato de Fusco

Ao seguir a trilha de Giulio Carlo Argan em Arte Moderna, encontra-se, como vimos, uma convergência ao pesnamento "binário". Argan afirma que a arte moderna revela sua essência no romantismo, a forma e o conteúdo da arte romântica são determinados pela interioridade absoluta. Mas também na poiesis- um fazer metodológico, ancorado numa objetividade racionalizada. Em suma que a arte moderna se estabelece na antítese ou dialética entre subjetividade romântica e objetivismo clássico. 
Sopfia Telles chega a afirmar que a "crítica moderna filia-se à subjetividade romântica e todas as suas oposições."
Em Idéia de Arquitetura, Renato de Fusco, converge com esta sentença pois, propõe a divisão teórica da arte moderna entre as tendências psicológica-expressiva e gnosiológica-construtiva notada desde o final do século XIX. A primeira considera a arte fenômeno da expressão e a segunda tendência considera fato do conhecimento, ou ainda, resultante das condições internas da concepção das formas[1]. O debate entre abstração e figuração que domina o campo artístico por volta dos anos 1950 mantém-se nesta proposição entre dois termos antitéticos, antagônicos politicamente no caso – a abstração representava-se pelo expressionismo abstrado e a figuração pelo realismo soscialista;
Whilhelm Worringer, em 1905, propõe a noção da dupla polaridade da sensibilidade humana, entre empatia e abstração, que na história da arte encontram-se constantemente. Este processo é resultado da interpretação da arte pelo viés étnico-geográfico. Diferenciam-se manifestações psicológicas do homem em relação ao meio ambiente; correspondentes ao “mundo do mediterrâneo”, o clássico e a empatia; ao “mundo nórdigo”, o romântico e a abstração[2]. O questionamento de Worringer da “estética unilateral do moderno-clássico”, sobre sua incapacidade de compreender conjuntos artísticos não europeus[3]; denuncia a redução da “múltipla significação dos fenômenos a um conceito suscetível de uma só significação”[4]. A problemática de Worringer ajuda no reconhecimento da diversidade dos fenômenos artísticos dentro do processo histórico da arte.
A dupla direção da arte ocidental entre empatia e abstração tem sintetizado as correntes artísticas ideologicamente e também têm sido redefinidas e transformadas pelos programas artísticos que as adotam, no intrínseco processo de mutação da arte. Porém, observa-se uma recorrente tendência ideológica do discurso sobre a arte moderna de convergir para apenas uma destas direções; é o caso do debate entre abstração e realismo da década de 50.
No entanto, a diversidade de tendências e correntes tanto teóricas quanto artísticas extrapola e esta “dupla direção”, freqüentemente dialogando com ambas, ou mesmo não se encaixando nessas vertentes, comumente criando terceiras vias ou ainda vias completamente alternativas.
A perspectiva de cientificização dos procedimentos analíticos da crítica de arte moderna ao colocar sob suspeita a aparência das coisas, desliga materialidade e significados. Engaja-se, deste modo, na abstração e distancia-se do subjetivismo. A crítica passa a utilizar o recurso do objetivismo geométrico-matemático ou de analogias lingüísticas. Estes  são facilmente absorvidos pelo racionalismo, presente na maior parte das manifestações da arquitetura moderna[5].O enfoque analítico da empatia relaciona sujeito e objeto artístico, ou do purovisibilismo, que coloca as formas como veículo da expressividade arquitetônica, ressaltam o valor do tectônico das obras de arte. Ambos não se afinam perfeitamente com os processos de racionalização inseridos na arquitetura moderna.
As conceituações da arquitetura moderna conduzem a uma rejeição sistemática, nos anos 1950, dos princípios da empatia (einfühlung) e da formatividade, em favor do typisierung[6] e da abstração do pensamento moderno dominante. Idéias que se apoiam na definição de princípios de racionalidade; pelo recurso sistemático à tecnologia industrial, adoção de princípios de economia e taylorismo desde o planejamento urbano aos espaços mínimos das edificações[7].

Contudo, o contexto pós-estruturalista é muito explícito em sua crítica ao chamado "pensamento binário". Derrida, seguindo Nietzsche, Heidegger e Saussure, questiona os pressupostos que governam "o pensamento binário", demonstrando como as oposições binárias sustentam, sempre, uma hierarquia ou uma economia que opera pela subordinação de um dos termos da oposição binária ao outro. Derrida utiliza a desconstrução para denunciar, deslindar e reverter essas hierarquias.Por sua vez, Deleuze fixa-se na diferença como o elemento característico que permite substituir Hegel por Nietzsche, privilegiando os "jogos da vontade de potência" contra o "trabalho da dialética".



[1]DE FUSCO, Renato. (1988). História Contemporânea da Arte. Lisboa: Presença. p. 87
[2]WORRINGER, Wilhelm. (1953). Abstração e Naturaleza. México: Fundo de Cultura Mexicana. (1ª. ed. 1905)
[3]Idem. (1992). A Arte Gótica. Lisboa: Edições 70 (1ª. ed. 1911), p. 20
[4]Idem. Abstração e Naturaleza. p. 125.
[5]O trabalho de Alina Paine sobre a revisão historiográfica do renascimento de Wittkower, observa uma nova perspectiva de apropriação da história no movimento moderno, ligando humanismo e modernismo pelo espírito científico e de abstração. Os resultados do raciocínio de Wittkower convergem com a postura de Giedion em “Espaço, tempo e arquitetura” (1942); assim como com a de Hitchcock com a exposição no MoMA de Nova Iorque, “The International Style: Architecture since 1922” (!932) e Pevsner em “Pioneiros do desenho moderno”, (1937); formulando uma ideologia racionalista unilateral dentro da arquitetura moderna. CF. PAYNE, Alina. (1993). Rudolf Wittkower and Architectural Principles in the Age of Modenism. In Journal of Society of Arhitectural Historians. v 52, dec.
[6]Typisierung - divisão e racionalização do tipo, que ocorre com a passagem da manufatura para pré-fabricação aberta. Cf. BROCKHAUS. Hermann Muthesius coloca em seu programa da Werkbund que a arquitetura só alcançaria significado mediante o desenvolvimento e refinamento dos tipos (typisierung). Muthesius Apud FRAMPTON. p. 114.
TYPISIERUNG In: DER GROSSE BROCKHAUS. (1957). Munique: F. A. B. Wiesbaden, p. 70
FRAMPTON. k. (1986) História Crítica de la Arqitectura. Barcelona: GG.
[7]ARGAN. Arte Moderna. p. 264. Aqui apenas alguns dos princípios considerados por Argan são citados.

O Iluminismo e a Constelação Romântica/ Benedito Nunes

O Iluminismo e a Constelação Romântica (resumo).In. NUNES, Benedito. A Visão Romantica (cap. 3) In. GUINSBURG, J. O Romantismo. São Paulo: Perspectiva, 1993, 3a. ed.

Como últimos elos que se confundem, da cadeia hermenêutica que sustentou as tendências gerais do pensamento do lluminismo, as idéias de Razão e de Natureza, idéias regulado­ras desde o século XVII, desempenharam, no século XVIII, a função de conceitos limitantes acerca do homem e do mundo. (...)
A uniformidade da razão, que ligou entre si, numa só matriz filosófica, essa mesma idéia de Razão - o bom senso cartesiano, igualmente compartilhado por todos os homens - e a idéia de Natureza - o conjunto daquelas disposições que, acessíveis ao livre exame analítico, seriam sempre iguais em toda parte, escapando à força do hábito, ao prestígio da autoridade, às tradições e aos caprichos das circunstâncias históricas, bem como à influência, considerada perturbadora, das paixões e dos hábitos. Foi a tal matriz que se vinculou o individualismo racionalista da Ilustração, que reconheceu o homem como sujeito universal de direitos naturais em nome da humanidade, e como sujeito universal de conhecimento em nome do progresso da inteligência da espécie. Também decorreram dela o consensus gentium, como instância coletiva da razão uniforme, o cosmopolitismo abstrato, nivelador de todas as diferenças nacionais e de todas as particularidades locais, e o igualitarismo intelectual, (...).
 A concepção mecanicista do universo, que permitiu integrar o homem e a Natureza física exterior sob a regência de leis uniformes, coroou a unidade desses princípios, que se harmonizaram dentro do esquema racionalista do pensamento da Ilustração, (...), e a normatividade do bom gosto - esse correlativo estético do bom senso, substrato comum da fantasia artística (a arte nos limites da bela natureza), adotado pelo classicismo.
O classicismo [ratifica] pois, em dois diferentes planos, a regência de leis uniformes e necessárias, que tiveram o seu modelo na lei geral da gravitação, a grande mola da atração que tudo move, segundo Voltaire. Da mesma forma que as leis físicas, as leis civis, as leis políticas e as normas do bom gosto, particularizam, de acordo com a perspectiva de um causalismo mecanicista, nos domínios contíguos das coisas naturais, da sociedade e da cultura, "as relações necessárias que derivam da natureza das coisas" ‑ natureza imutável e eterna a que se referiu D'Alembert na Enciclopédia, sujeita às mesmas regras, independentemente das entidades metafísicas, e a que se ajustam, pela trama contínua da linguagem, ligando os conceitos às coisas, as palavras aos objetos, o sistema de representações do espírito humano e o sistema do universo.
Haveria, portanto, entre o interior e o exterior, entre o homem e o mundo, um prévio “circuito de comunicação” da natureza das coisas e da natureza humana: circuito que caracterizou a direção epistemológica do pensamento da época clássica, fundada num achatamento do sujeito, encaixado como sujeito universal do conhecimento, a uma Natureza cuja ordem e cuja regularidade se prolongaram na ordem e na regularidade dos discursos científico, religioso, estético, jurídico e político do século XVIII.
Nivelando-o à Natureza física exterior, a que já se encontra ligado por um acordo tácito, esse achatamento do sujeito, que abstrai a singularidade do indivíduo, refletiu-se na disciplina canônica do gosto clássico (...), ambas refratárias à dominância da experiência singular individual subjetiva, transgressora da uniformidade da razão, e ambas, portanto, avessas, em seus respectivos domínios ‑ o artístico e o religioso ‑ à afirmação da originalidade pessoal e ao entusiasmo, estados espiritualmente afins.
As matrizes filosóficas da visão romântica, que legitimam, dentro de uma nova constelação de princípios, a originalidade e o entusiasmo, são o caráter transcendente do sujeito humano e o caráter espiritual da realidade, que quebram a uniformidade da razão e a conseqüente forma de individualismo racionalista, ao mesmo tempo que a concepção mecanicista da Natureza. A primeira matriz moldou-se pelo princípio da transcendência do Eu na filosofia de Fichte, e a segunda pela idéia de Natureza como individualidade orgânica na filosofia de Schelling.
Linha mestra do idealismo de Fichte, o qual interpretou num sentido metafísico a função categorial que Kant emprestou ao Cogito cartesiano - à consciência de si, enquanto consciência pura que se conjugando em todas as categorias, torna-se a instância formal, não empírica de nossa experiência - o Eu é a ação originária (Tathandlung), que precede o sistema das representações do espírito, e de que o mundo, com a sua aparência de realidade independente, constitui o pólo opositivo (não-Eu). (...)
O circuito de comunicação entre o interior e o exterior depende agora do sujeito, que transcende, assim avultado, a Natureza física, eis que somente exprimindo, nas palavras de Fichte, "em toda parte relações de mim mesmo para mim mesmo", essa mesma Natureza, vista por Schelling como um todo vivo, como individualidade orgânica, devolutiva da ação originária do Eu, é justamente aquilo que parece ser, e que a intuição intelectual apreende: a cobertura visível, objetiva e inconsciente, de um entendimento invisível, análogo à imaginação poética, e que produziria as coisas, de acordo com a decisiva metáfora schellinguiana, por um processo ape­nas mais rudimentar do que aquele mediante o qual o artista produz as obras de arte. (...)
Precursor da hegemonia da subjetividade no Romantismo - da dominância da experiência individual subjetiva -, esse avultamento do sujeito, em que a direção epistemológica do pensamento da época clássica se inverte, demitiu o individualismo racionalista da Ilustração, substituindo-o por um individualismo egocêntrico, que vinculou o lastro idealista e metafísico da visão romântica à capacidade expansiva e à força irradiante do Eu. Ponto cêntrico da realidade e passagem para o universo ("das Ich als zugang zum dem Universum", disse-o Novalis), o Eu, assim configurado, assegurou um primado onto­lógico à interioridade, à vida interior, que foi sinônimo de profundeza, espiritualidade, elevação e liberdade, no vocabulário do Romantismo, quando não significou também o "solo sagrado" da verdadeira vida, o recesso do ideal, de onde o sentimento religioso brota, onde a perfeição moral se abriga e a arte começa. A dimensão ética e religiosa, a par do alcance cognoscitivo conquistado pela atividade artística ou poética, que sintetiza a operação mais completa do espírito, estaria subordinada a esse primado.

[Entremeando fragmentos de românticos – fora do texto de Benedito Nunes:  “Então o universo não está dentro de nós? As profundezas do nosso espírito nós não conhecemos – para dentro vai o misterioso caminho. Em nós, ou em parte nenhuma, está a eternidade com seus mundos – o passado e o futuro. O mundo exterior é o mundo das sombras. – Lança suas sombras no reino da luz” (Novalis).  E ainda outro fragmento de Novalis: “(...toda inversão – olhar para o interno – é ao mesmo tempo ascensão – viagem ao céu- olhar verdadeiramente para o externo)”.]
 [Referências a Kant e a Fichte misturam-se, predominando o último que escreve: “Atenta a ti mesmo: desvia teu olhar de tudo o que te circunda e dirige-o a teu interior – é a primeira exigência que a filosofia faz a seu aprendiz. Não se trata de nada que está fora de ti, mas exclusivamente de ti mesmo” .]
[e de Rilke: Rilke: "O mundo é grande, mas em nós ele é profundo como o mar".]

Chegando-se a este ponto, é preciso não esquecer que as duas matrizes codeterminantes da visão romântica se relacionam entre si. A vida interior, espiritual, livre e profunda, a que levam a capacidade expansiva e o poder irradiante do Eu, concretiza-se em tudo aquilo que o indivíduo tem de singular e característico, e por tudo quanto nele, dos sentimentos aos pensamentos, (...), aflorando ao exterior, pela riqueza superabudante de conteúdos que possuem força própria, a súmula dos elementos pessoais e intransferíveis que constituem o índice de sua originalidade. (...)
[No] plano da arte, e que a estética do Romantismo refletiu na sua terminologia, principalmente no metaforismo do conceito de "expressão" significando, como "tradução" da personalidade, uma floração das vivências reais, refletiu-se também no plano da individualidade orgânica da natureza, com a qual a individualidade singular do homem se entrosaria.
O Eu transcende a Natureza física ‑ o exterior mecânico disperso dos fenômenos ‑ mas para encontrar-se, dada a essência absoluta que o Romantismo germânico da primeira fase lhe atribuiu, ao nível orgânico das coisas, com o entendimento interno da Natureza viva e animada. "O que está fora de mim está justamente em mim, é meu - e inversamente". O universo a que se chega através do Eu, ainda é, conforme a doutrina de Novalis, em Os Discípulos de Sais, o próprio Eu, que se espelha nesse entendimento interno da Natureza ("einen innern Verstand der Natur"), que o homem pode alcançar sob o efeito da poesia.
(...)
Uma vez que o seu aspecto material significa o espiritual que as anima, as formas naturais, por um lado produtivas e portanto criadoras, por outro expressivas e portanto simbólicas, oscilam entre o estado de coisa e o estado de linguagem, achando-se comprometidas pela dualidade da expressão e da criação - conceitos românticos mantidos com valência quase igual para a literatura. O universo inteiro fala e os corpos são os signos de sua linguagem.
O entrosamento da individualidade orgânica da Natureza com a individualidade singular do homem far-se-á através de formas de vida mais complexas: as civilizações e os povos, que Herder ensinou, ainda no período do Sturm und Drang, a valorizar em seus elementos característicos e originais, provenientes das condições de existência sempre particulares no espaço e sempre variáveis no tempo. Elementos físicos, vitais e espirituais, conforme o clima, o tempo e o momento, articulam-se na síntese coletiva e histórica que define uma nação. Unindo o geral e o particular, a personalidade cultural e natural de cada povo (Nationalcharakter, Geist des Volkes, Geist der Nation) se distingue por valores próprios e intransferíveis; é uma forma de vida completa, auto-suficiente, da qual a singularidade do indivíduo humano se torna inseparável. "Num certo sentido", diz Herder, "toda perfeição humana é nacional, secular, e estritamente considerada, individual”.
Ao cosmopolitismo abstrato do século XVIII, supressor das diferenças nacionais, o Romantismo opôs um nacionalismo concreto, que foi preparado pela concepção herderiana da "unidade orgânica de cada personalidade com a forma de vida que lhe corresponde”: unidade expressiva quando florescente, dando-se a manifestar em tudo o que o homem faz. Mas é, sobretudo, nas obras de arte que a ação comunicativa dos indivíduos se incorpora, ganhando o relevo simbólico de uma nova escala da linguagem e da experiência humana. Nessas condições, o espiritual comporta diferenciações locais externas e mutações temporais internas, que diversificam e pluralizam a cultura em cada época e em cada momento dentro de uma época. O consensus gentium do racionalismo será, portanto, apenas o consenso de uma época, aplicado como medida niveladora de todos os valores distintos das personalidades históricas. Para apreender essas personalidades, para conhecer os valores distintivos que as singularizam, é necessário repetir pela empatia (a simpatia da imaginação), que nos leva a sentir exteriorizando-nos nas coisas, a ação comunicativa dos indivíduos.
(...) ". Essa imagem carreou para a visão romântica o sentido dramático do tempo histórico - tempo espesso, caudaloso, oceânico, que somente abrange as transformações incessantes dos sujeitos humanos de porte coletivo – os povos e as nações - sobre que se espraia, sem que se possa divisar um desenho único ou uma direção determinada no fluxo transindividual - a história - a que dão origem e de que participam. Em vez da razão, é um grande e cego destino que conduz a evolução dos povos. Na concepção historicista da realidade como processo histórico (Geschichte), que se perfaz por meio de mudanças, de manifestações individuais múltiplas, igualmente valiosas, perdurou a sombra desse destino grande e cego, em lugar do progressivo aperfeiçoamento da inteligência da espécie que o Iluminismo postulou.
A medida do individualismo egocêntrico e organicista da visão romântica pode ser aquilatada pela idéia de gênio, que ocupou o centro da constelação das idéias na época do Romantismo.
(...)
Reinterpretando a mimese aristotélica, ou seja o nexo entre arte e natureza na perspectiva do belo como objeto dos juízes de gosto - dos juízos de caráter contemplativo e desinteressado, que permitem qualificar de estética a experiência relativa às coisas naturais e às obras de arte - foi Kant quem preparou a excepcional autonomia da noção de gênio. Graças à satisfação desinteressada que provocam, as coisas naturais que são belas, parecem livres produtos da Natureza; as obras artísticas são tanto mais belas quanto mais aparentam essa livre finalidade atribuível à Natureza, quanto mais assumem o aspecto de uma formação espontânea, que se sobrepõe aos artifícios da arte.  As artes do belo participam, como qualquer técnica ou espécie de artifício, de uma recta ratio formandi. Todavia, o aspecto espontaneísta que as aproxima do plano da natureza, mostra-nos que, modelos singulares, as obras artísticas não se produzem mediante a aplicação de regras gerais (do mesmo modo que o belo agrada sem conceito). Daí a proposição kantiana de que as artes do belo ou as belas-artes são as artes do gênio, e que o gênio é o talento dando regras à arte - talento capaz de infundir a um artifício a aparência espontânea da Natureza. Não somente a genialidade exerce uma função reguladora; como talento, ela é um dom natural, e, como dom natural, é uma capacidade específica que pertence à Natureza.
(...)
Talento originário para a arte, faculdade e dom inato, intuição e predestinação, o gênio tornou-se, no Romantismo, o mediador entre o Eu e a Natureza exterior. A faculdade de representar artisticamente, isto é, de apresentar idéias estéticas, que Kant lhe atribuíra, converte-se, para a visão romântica, no poder intuitivo cognoscente (a Magie der Einbildungskraft de Jean-Paul), ao mesmo tempo criador e expressivo, da imaginação poética, acima do conhecimento empírico - poder correlativo à capacidade expansiva e à força irradiante do Eu, à originalidade e ao entusiasmo, e no qual se refletiriam a profundeza, a elevação, a espiritualidade e a liberdade da vida interior.
[Fragmento – fora do texto de Benedito Nunes –  de Novalis: “Quem procura, duvidará. O gênio, porém, diz tão atrevida e seguramente o que vê passar-se dentro de si porque não está embaraçado em sua exposição e, portanto, tampouco a exposição embaraçada nele, mas sua consideração e o considerado parecem consoar livremente, unificar-se livremente numa obra única”]

O Romantismo alemão, particularmente, conferiu ao gênio, que foi uma das bases do idealismo de Schelling, de sua filosofia da Natureza, continuada pela doutrina enciclopédica de Novalis (indiferentemente denominada de idealismo ou de realismo mágico), uma posição teórica e prática superior, de porte ético, estético e metafísico, supra-sumo da originalidade do indivíduo singular e do estado de entusiasmo.
Na imaginação poética a que Schelling transferira a intuição intelectual de Fichte, é que se completaria a atividade produtiva do espírito, já operante nas formas da Natureza.
Assim, é na obra de arte que o Eu alcança a intuição de si mesmo como Absoluto (a intuição artística seria a verdadeira espécie de intuição intelectual, porque cria o seu próprio objeto), e que a in­dividualidade orgânica da Natureza, regressivamente esclarecida, se revela como operação artística, produto do entendimento, do nous poietikos que a penetra e anima. Órgão do conhecimento realizado, a arte solveria as contradições entre o subjetivo e o objetivo, o consciente e o inconsciente, o real e o ideal, a liberdade e a necessidade, que o artista genial supera e reabre a cada passo. Representando o finito no infinito, a arte, que tem a força de uma revelação eterna, também realiza a unidade entre a beleza e a verdade, e descerra a unidade congênita da filosofia com a poesia, reconhecida por Schelling e proclamada por Friedrich Schlegel. Enquanto o gênio passa a ser a capacidade sintética que universaliza e transubstancia, a arte se volve no modelo da atividade espiritual, compartindo, em sua essência, do caráter superior, profundo e íntimo da realidade eterna e absoluta, de que é a única via de acesso.
Mas em todo Romantismo europeu, a excepcional autonomia do gênio, resumindo a figura da verdadeira humanidade - do homem tal como é e tal como deverá ser - do homem capaz de ligar o ideal e o real - correu paralelamente à excepcional relevância religiosa e ética, senão metafísica, da poesia (quer no amplo sentido abrangente da literatura e da arte, quer no sentido estrito da lírica), como um novo reino dos fins espirituais. (...) continua.

IIº Seminario Internacional sobre Arte Público en Latinoamérica.

IIº Seminario Internacional sobre Arte Público en  Latinoamérica. "Arte pública e espaços políticos: interações e fraturas nas cidades latino-americanas" ocorrerá de 09 a 12 de novembro de 2011, no Centro de Artes Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória - Brasil.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

einfühlung ou empatia / teorias da arte

Texto abaixo. In Dissertação de mestrado Clara Luiza Miranda. A crítica nas revistas de arquitetura nos anos 50: a expressão plástica e a síntese das artes. USP São Carlos, SP. Orientada por Carlos Alberto Martins, 1998.

A teoria do einfühlung ou empatia, desde sua origem teve inúmeras interpretações desde Theodor Lipps (1903), Johanes Volkelt (1905) entre outros. Segundo Renato de Fusco, a empatia desenvolveu-se ao ponto de absorver poéticas distintas como art nouveau, futurismo, organicismo, expressionismo abstrato e teóricos do primeiro quarto deste século, como Worringer, Schmarsow e Wölfflin. De Fusco diz que este fato mostra como se pode chegar à empatia provindo de diferentes experiências[1].
A empatia não é contraditória com purovisibilismo, pois o ponto de partida de ambos era a percepção. O ato de einfühlung pressupõe “a atividade perceptiva geral, que não é arbitrária mas ligada necessariamente ao objeto”[2].Mas, a empatia diferencia-se do purovisibilismo substancialmente na mediatização sentimental ou espiritual entre forma e expressão. A empatia ultrapassa em muito a aparência material, os seus teóricos não consideram as obras de arte expressivas por si mesmas, pois a base da empatia é a “comunicação orgânica intersubjetiva”[3].
A empatia é definida por Worringer dentro dos princípios da relação do homem e mundo exterior, como “projeção sentimental”. A cultura da empatia também define-se como intuição e simpatia simbólica; que parte não apenas da afinidade entre dois seres, mas também, de um modo determinado do conhecimento, uma “inteligência do sentimento”[4] (intuição).
Segundo Dora Vallier, a palavra einfühlung exprime um estado de sentimento do “traço de união entre exterior e interior”, que orienta o sujeito “para uma forma exterior que o reflete”[5]. Assim, a idéia de einfühlung, acentua “significação interior da forma”, tornando “secundária a leitura que ela representa[6]”. Estas definições de empatia embutem valorações sobre as posturas dos artistas em relação à realidade, na sua disposição para a forma, que se manifesta pela criação de imagens expressivas unificadas pelo sentimento.
Worringer considera a intenção o verdadeiro problema da interpretação da “lei de formação” dos fenômenos artísticos. Pois, para ele o “saber deixa de ser um critério de valor[7]”. A historia das artes torna-se então, a “história das intenções” que tem origem nas “relações entre o homem e as suas impressões do exterior”[8].
A empatia produz a primeira teoria da expressão, ao questionar a posição do racionalismo de atribuir propriedades objetivas às coisas; do empirismo de considerar as reações às solicitações dos objetos [9].; ao superar a visão do impressionismo de relação meramente sensorial com os objetos[10]. A cultura do einfühlung coloca valor estético nas “ações subjetivas que emprestam sua emoção ao processo de constituição dos objetos”[11].
A demarcação do dualismo dos “pólos da sensibilidade humana”: projeção sentimental e abstração, deve-se à aplicação da visão psicológica, que aborda a afirmação da representação da realidade objetiva ou sua negação, respectivamente[12]. A abstração desloca o centro da atenção da percepção visual para as representações mentais[13]. Este dualismo é aceito por Argan e Lúcio Costa, em suas explicações sobre os pressupostos da arte moderna. Mas, desde o início do século XX, o conceito de empatia sustenta um caráter de expressão ou de organicismo, podendo incorporar a abstração.

Purovisiblismo: coloca as formas como veículo da expressividade arquitetônica, ressalta o valor do tectônico das obras de arte. In Clara Miranda apud Renato de Fusco
Segundo Mario D'Agostino, a teoria da forma - ou purovisibilismo (sichtbarkeit) - ganha seus contornos característicos com Gottfried Semper, Aloïs Riegl, Franz Wickhoff, Camillo Sitte e Otto Wagner. De acordo com D'Agostino, os três dos chamados conceitos fundamentais do purovisibilismo são: formas de visão, intenção artística e visão pura.
In. Mário Henrique Simão D'Agostino. O olhar do artista - problemas de estilo e forma nas artes visuais. Pós. Revista do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP. 
 

Einfühlung. Empathie mit einem anderen Menschen bedeutet, sich in dessen Lage zu versetzen und mit ihm mitzufühlen, sich darüber klar zu werden, was der andere fühlen muss, sowie die eigenen Gefühle zu erkennen und angemessen zu reagieren. Ein Lebewesen ist mit einem anderen empathisch, wenn es sich in dieses einfühlt, sich also vorstellt, es wäre das andere, beziehungsweise so fühlt, wahrnimmt und denkt, als wäre es das andere. In Dicionário Babylon

Ein|füh|lungs|kraft, die, Ein|füh|lungs|ver||gen, das: Fähigkeit, sich in jmdn., etw. einzufühlen. In Dicionário Babylon
Ver einfühlungstheorie in Wikipédia


[1]DE FUSCO. A Idéia de Arquitetura. p. 50
[2]Idem. História da Arte Contemporânea, p. 19
[3]Idem. Ibidem. p. 14
[4]SIMPATIA (Scheller). In: DUROZOI, Gérard. & ROUSSEL, André. (1993). Discionário de Filosofia. Campinas, SP: Papirus. p. 436
[5]VALLIER, Dora. (1986). A Arte Abstrata. Lisboa: Edições 70. (1ª. ed. 1966). p. 20
[6]Idem. Ibidem. p. 21
[7]WORRINGER. A Arte Gótica. p. 17
[8]Idem. Ibidem. p. 22
[9]DE FUSCO. A Idéia da Arquitetura. p.48
[10]ARGAN. Arte Moderna
[11]DE FUSCO. op. cit. p. 49
[12]WORRINGER. Abstração e Naturaleza. p. 56
[13]Idem. Ibidem. p.52