Mark Tansey Monte Sainte Victoire

terça-feira, 1 de novembro de 2011

A dupla direção da arte no século XX

A dupla direção da arte no século XX segundo Renato de Fusco

Ao seguir a trilha de Giulio Carlo Argan em Arte Moderna, encontra-se, como vimos, uma convergência ao pesnamento "binário". Argan afirma que a arte moderna revela sua essência no romantismo, a forma e o conteúdo da arte romântica são determinados pela interioridade absoluta. Mas também na poiesis- um fazer metodológico, ancorado numa objetividade racionalizada. Em suma que a arte moderna se estabelece na antítese ou dialética entre subjetividade romântica e objetivismo clássico. 
Sopfia Telles chega a afirmar que a "crítica moderna filia-se à subjetividade romântica e todas as suas oposições."
Em Idéia de Arquitetura, Renato de Fusco, converge com esta sentença pois, propõe a divisão teórica da arte moderna entre as tendências psicológica-expressiva e gnosiológica-construtiva notada desde o final do século XIX. A primeira considera a arte fenômeno da expressão e a segunda tendência considera fato do conhecimento, ou ainda, resultante das condições internas da concepção das formas[1]. O debate entre abstração e figuração que domina o campo artístico por volta dos anos 1950 mantém-se nesta proposição entre dois termos antitéticos, antagônicos politicamente no caso – a abstração representava-se pelo expressionismo abstrado e a figuração pelo realismo soscialista;
Whilhelm Worringer, em 1905, propõe a noção da dupla polaridade da sensibilidade humana, entre empatia e abstração, que na história da arte encontram-se constantemente. Este processo é resultado da interpretação da arte pelo viés étnico-geográfico. Diferenciam-se manifestações psicológicas do homem em relação ao meio ambiente; correspondentes ao “mundo do mediterrâneo”, o clássico e a empatia; ao “mundo nórdigo”, o romântico e a abstração[2]. O questionamento de Worringer da “estética unilateral do moderno-clássico”, sobre sua incapacidade de compreender conjuntos artísticos não europeus[3]; denuncia a redução da “múltipla significação dos fenômenos a um conceito suscetível de uma só significação”[4]. A problemática de Worringer ajuda no reconhecimento da diversidade dos fenômenos artísticos dentro do processo histórico da arte.
A dupla direção da arte ocidental entre empatia e abstração tem sintetizado as correntes artísticas ideologicamente e também têm sido redefinidas e transformadas pelos programas artísticos que as adotam, no intrínseco processo de mutação da arte. Porém, observa-se uma recorrente tendência ideológica do discurso sobre a arte moderna de convergir para apenas uma destas direções; é o caso do debate entre abstração e realismo da década de 50.
No entanto, a diversidade de tendências e correntes tanto teóricas quanto artísticas extrapola e esta “dupla direção”, freqüentemente dialogando com ambas, ou mesmo não se encaixando nessas vertentes, comumente criando terceiras vias ou ainda vias completamente alternativas.
A perspectiva de cientificização dos procedimentos analíticos da crítica de arte moderna ao colocar sob suspeita a aparência das coisas, desliga materialidade e significados. Engaja-se, deste modo, na abstração e distancia-se do subjetivismo. A crítica passa a utilizar o recurso do objetivismo geométrico-matemático ou de analogias lingüísticas. Estes  são facilmente absorvidos pelo racionalismo, presente na maior parte das manifestações da arquitetura moderna[5].O enfoque analítico da empatia relaciona sujeito e objeto artístico, ou do purovisibilismo, que coloca as formas como veículo da expressividade arquitetônica, ressaltam o valor do tectônico das obras de arte. Ambos não se afinam perfeitamente com os processos de racionalização inseridos na arquitetura moderna.
As conceituações da arquitetura moderna conduzem a uma rejeição sistemática, nos anos 1950, dos princípios da empatia (einfühlung) e da formatividade, em favor do typisierung[6] e da abstração do pensamento moderno dominante. Idéias que se apoiam na definição de princípios de racionalidade; pelo recurso sistemático à tecnologia industrial, adoção de princípios de economia e taylorismo desde o planejamento urbano aos espaços mínimos das edificações[7].

Contudo, o contexto pós-estruturalista é muito explícito em sua crítica ao chamado "pensamento binário". Derrida, seguindo Nietzsche, Heidegger e Saussure, questiona os pressupostos que governam "o pensamento binário", demonstrando como as oposições binárias sustentam, sempre, uma hierarquia ou uma economia que opera pela subordinação de um dos termos da oposição binária ao outro. Derrida utiliza a desconstrução para denunciar, deslindar e reverter essas hierarquias.Por sua vez, Deleuze fixa-se na diferença como o elemento característico que permite substituir Hegel por Nietzsche, privilegiando os "jogos da vontade de potência" contra o "trabalho da dialética".



[1]DE FUSCO, Renato. (1988). História Contemporânea da Arte. Lisboa: Presença. p. 87
[2]WORRINGER, Wilhelm. (1953). Abstração e Naturaleza. México: Fundo de Cultura Mexicana. (1ª. ed. 1905)
[3]Idem. (1992). A Arte Gótica. Lisboa: Edições 70 (1ª. ed. 1911), p. 20
[4]Idem. Abstração e Naturaleza. p. 125.
[5]O trabalho de Alina Paine sobre a revisão historiográfica do renascimento de Wittkower, observa uma nova perspectiva de apropriação da história no movimento moderno, ligando humanismo e modernismo pelo espírito científico e de abstração. Os resultados do raciocínio de Wittkower convergem com a postura de Giedion em “Espaço, tempo e arquitetura” (1942); assim como com a de Hitchcock com a exposição no MoMA de Nova Iorque, “The International Style: Architecture since 1922” (!932) e Pevsner em “Pioneiros do desenho moderno”, (1937); formulando uma ideologia racionalista unilateral dentro da arquitetura moderna. CF. PAYNE, Alina. (1993). Rudolf Wittkower and Architectural Principles in the Age of Modenism. In Journal of Society of Arhitectural Historians. v 52, dec.
[6]Typisierung - divisão e racionalização do tipo, que ocorre com a passagem da manufatura para pré-fabricação aberta. Cf. BROCKHAUS. Hermann Muthesius coloca em seu programa da Werkbund que a arquitetura só alcançaria significado mediante o desenvolvimento e refinamento dos tipos (typisierung). Muthesius Apud FRAMPTON. p. 114.
TYPISIERUNG In: DER GROSSE BROCKHAUS. (1957). Munique: F. A. B. Wiesbaden, p. 70
FRAMPTON. k. (1986) História Crítica de la Arqitectura. Barcelona: GG.
[7]ARGAN. Arte Moderna. p. 264. Aqui apenas alguns dos princípios considerados por Argan são citados.

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