texto de Alexandre Fiorotti, Christiane Stelzer, Patricia Stelzer
“Ainda que eu falasse a lingua dos homens,
Que falasse a língua dos anjos
Sem amor eu nada seria
O amor é fogo que arde sem se ver
É ferida que dói e não se sente
E um contentamento descontente
É dor que desatina sem doer
É um não querer, mas que bem querer
É solitário andar por entre a gente
É um não contentar-se de contente
E cuidar que se ganha em se perder
E um estar-se preso por vontade
É servir a quem vence, o vencedor
E um ter com quem nos mata, lealdade
Tão contrário a si é mesmo o amor...
(Camões)
De acordo com o filósofo alemão Imannuel Kant (1724 - 1804), em seu livro Crítica da Faculdade do Juízo, sublime é o que e absolutamente grande, acima de toda comparação. E o que apraz imediatamente por sua resistência contra o interesse dos sentidos. Trata-se de uma grandeza que é igual simplesmente a si mesma. Disso segue-se portanto que o sublime não é objeto e sim a disposição do espírito, uma faculdade de ânimo que ultrapassa os padrões de medida dos sentidos.
Kant divide o sublime em duas categorias: aquele em comparação com o qual tudo o mais é pequeno e o dinâmico sublime na natureza que é uma espécie de contentamento resultante da cessação de uma situação de perigo”, causado por uma impotência física diante da natureza. Rochedos audazes, mares revoltos, a fúria de um vulcão, remete-nos uma mistura de admiração e medo.
A tentativa de dominar a natureza através da obra de arte aparece na Europa, no romantismo, entre o século XVII e XIX, com suas paisagens que amedrontam e repelem o contato com os homens. Mas, suscitam a força interior, na medida que as preocupações comuns se tomam pequenas diante da grandeza das tormentas, tempestades, da desolação do deserto ou da imensidão do mar. O sublime, segundo Kant, nos toma sensíveis a estas situações.
Na obra do pintor romântico alemão Caspar David Friedrich (1774 - 1840). a natureza aparece como algo que se apodera da alma humana, tomando as figuras impotentes e dominadas num misto de medo e contemplação. A idéia do sublime se configura então através de paisagens grandiosas e místicas.
Caspar David Friedrich – Monk by the sea, 1809 |
Das Eismeer / Die verunglückte Nordpolexpedition, Die verunglückte Hoffnung (1823 - 1824) [Polar Sea / The Destroyed Hope)] |
O elemento central nos quadros de Friedrich é a contemplação estética da natureza. Ele a relaciona com uma nova linguagem pictórica. Seus personagens solitários tem como principal característica a “distância” em relação ao mundo, uma distância reflexiva.
A exigência do observador e sua experiência para a realização do sublime, mostram a dicotomia entre o belo e o sublime. Pois o sublime se restringe à imaginação de quem observa a obra de arte ou uma paisagem.
Tanto o belo quanto o sublime são disposições da faculdade de sentir, mas no prazer do belo, que é a expressão sensível de juízo, o que conta é o efeito da representação sobre o sujeito. Re-presentação é a síntese do que se apresenta e é análogo ao conceito de forma, reflexão de objeto singular na imaginação. Desenho e composição são precisamente manifestações de reflexão formal, criadas pelo artista, designer ou natureza. Assim, na beleza estética a percepção da forma se dá em harmonia com objeto, enquanto no sublime nada vem do objeto mas somente do ânimo que é mais individual, de modo que não se pode iludir facilmente sobre a adesão dos outros diz Kant.
No sublime há uma separação entre o espectador e a cena, criando um abismo entre ambos. A harmonia entre eles não se realiza O homem moderno não pode penetrar no recinto da natureza pois ele a coage e a destrói como sujeito raciona], como identidade subjetiva da dominação. Daí resulta a demarcação e a separação de natureza a uma distância enorme que a toma inacessível.
A tarefa do pintor não se finda na exposição fiel do ar, da água, dos rochedos e árvores, mas em sentimentos, Reconhecer o espírito da natureza, penetrar nele, assumi-lo, eis a tarefa da obra de arte.
Neste final de século, no atual estágio de desenvolvimento humano, das novas tecnologias que revolucionam a sociedade, a arte contemporânea busca uma possibilidade de expandir seus horizontes, ultrapassando os padrões de gosto e de beleza. O sublime se mostra então através da tentativa do artista de demonstrar a irracionalidade das ações humanas. Agora não mais a natureza é a principal fonte de inspiração e medo e sim o próprio homem e sua história, povoada de mitos e tragédias. Outra fonte do sublime na arte contemporânea é a equiparação de valor entre artista, arte e receptor, o sentido e sentimento da obra se dá mais nos outros....
Anselm Kiefer (1946), um dos maiores pintores da atualidade, nos evoca o sublime na arte contemporânea. Suas obras revelam as ameaças que pairam sobre nosso tempo, a insatisfação com o declínio.
Em suas paisagens aparecem terras queimadas, apocalípticas, transformadas pelo homem, gerador de conflitos e dos mitos de nossa época. Para ele, o mito é uma preocupação em constituir o sentido e a realidade através do contar histórias em imagens, usando o lado humorístico e esquisito de sua imaginação para diminuir ou relativizar seu efeito pomposo e megalomaníaco.
Kiefer explora a tensão entre o banal e o sublime, que é tão central em seu trabalho, quanto a dialética Baudelairiana do eterno e do transitório é para o modernismo. Kiefer reduz a distância entre o sublime e o ridículo. A obra de Kiefer sem dúvida pede um comprometimento renovado com o belo. Isso pode ser visto como sua força, mais que como sua fraqueza. E uma força, porque ele não inverte simplesmente a hierarquia dos termos, privilegiando o belo. Sua prática estética ilude a dicotomia tradicional abrindo-a para um terceiro termo oculto, centrado na banalidade, no clichê, no trivial. Com esta constelação triangular, Kiefer desestabiliza o discurso do sublime tanto visualmente quanto conceitualmente, e sugere, embora de forma indireta, que o sublime não representável ( como a abstração depois do modernismo) pode ser tão banal quanto os produtos mais banais da indústria cultural. A beleza, por outro lado, pode se confundir com o sublime, desenhando aquilo que o sublime sempre excluiu: a banalidade efêmera, a repetição simples e sem dramas, o registro transitório do mundo.2
Os mitos degradados, o histórico usurpado pelo nazismo são configurados com materiais que se deterioram com o tempo ( a expectativa de durabilidade de suas obras é menos de 20 anos).
“Lilith am Roten Meer” (“Lilith no Mar Vermelho”), obra de Alselm Kiefer no acerva da Hamburger Bahnhof, em Berlim |
Em sua obra Interior, Kiefer retrata um monumento nazista, invoca também a tradição do neoclassicismo alemão, vulgarizada na arquitetura nazista. A tragédia histórica, pela qual passou a Alemanha aparece de forma simbólica, uma recordação sinistra e moderna de Hitler.
NOTAS:
Anselm Kiefer, Innenraum (Interior space), 1981, oil, acrylic, shellac, and emulsion on canvas |
NOTAS:
1- 1- Subirats, Eduardo — Paisagens da solidão, Livraria Duas Cidades, 1986,
2- 2- Huissen, Andreas — Memórias do modernismo, Editora UFRJ, 1996.
BIBLIOGRAFIA
Kant, Imanuel. Critica da faculdade do juízo. Forense, 1996.
Klauss, Honnef. Arte Contemporânea, Editora Tachen, 1988.
Duarte., Rodrigo (org.). O belo, o sublime e Kant, Editora UFMG, 1998.
Revista Bravo. Anselm Kiefer — o imaginador moral, março/98 n.6 pp: 34-39.
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