Mark Tansey Monte Sainte Victoire

domingo, 23 de outubro de 2011

Sobre o estranhamente familiar - Sublime, Freud, Vidler e Nuno Ramos

Anthony Vidler em "Uma teoria sobre o estranhamente familiar" republicado em "Uma Nova Agenda para a Arquitetura - antologia 1965-95" organizado por Kate Nesbitt recorre ao pensamento de psicanalistas para organizar este artigo.
No texto, "Das Heimliche", Freud (1987, p.283)  procura delimitar os vários significados que a palavra heimlich adquire no alemão, entre os quais está familiar, intimo, lugar livre da influência de fantasmas, algo oculto e perigoso, afastado do conhecimento, assustador. Freud porpõe que "heimlich é uma palavra cujo significado se desenvolve na direção da ambivalência, até que coincide com seu oposto unheimlich". Freud então apresenta o significado de estranhamente familiar como sendo o unheimlich. (Freud apud Hartmann)
Um certo estranhamento ocorre quando nos deparamos com a morte ou com alguma violência que carrega o irrepresentável (o que o aproxima do sublime), diante de uma cena violenta e sob o impacto de algo que  causa estranheza, o que por vezes pode dar uma sensação de irrealidade, como se aquilo não estivesse acontecendo. (Freud apud Hartmann).
Todos fazem alguma idéia desse estranhamento. Mas por que familiar? Não se trata de um familiar que se dá pela repetição da cena, mas porque o que está em jogo é algo de muito intimo para cada um. A intimidade, vocês sabem, é algo de corporal. Como coloca Freud (Idem, p.306), "pode ser verdade que o estranho seja algo que é secretamente familiar, que foi submetido a repressão e depois voltou, e que tudo aquilo que é estranho satisfaz essa condição". Ainda neste texto Freud (Idem, p.304) faz notar que "um estranho efeito se apresenta quando se extingue a distinção entre imaginação e realidade, como quando algo que até então considerávamos imaginário surge diante de nós na realidade (...)" (Freud apud Hartmann).

No texto de Vidler, o "estranhamente familiar" provoca sensações assutadoras, a idéia de duplo, o medo à mutilaçãrva que uma idéia recorrente no "estranhamente familiar" é amutilação do corpo em fragmentos. O "estranhamente familiar" é portanto o lado horripilante do sublime, o medo de ser privado da integridade do corpo o, e outros horrores. 
Alguns trabalhos de Nuno Ramos podem ser aproximados a esta noção ou versão do sublime, por exemplo a Exposição 111. Relembra os 111 mortos na Casa de Detenção de São Paulo;Busca da regeneração das almas destes 111 presos massacrados; Ilustra contrapontos como céu e inferno, alto e baixo; Há um mundo outro, mas não se sabe bem o que seja, pois não se mostra com evidência, que reunira fragmentos da morte e da vida. Uma completude além de viver e morrer, que destrói e recria, corrompe e regenera.
A instalação 111, realizada pela primeira vez em 1992, Nuno Ramos usa como motivo o massacre dos presos da Casa de Detenção do Carandiru, ocorrido naquele ano.
Pedaços de jornal e folhas da Bíblia colados com asfalto e breu sobre paralelepípedos tomam o lugar dos mortos, lembrados por seus nomes impressos em chumbo.
Poemas ocupam as paredes, escritos com vaselina e, em uma segunda sala anexa, tubos de vidro disformes contendo fumaça branca estão dispostos entre fotos aéreas tomadas na data da chacina. O trabalho tem forte caráter alegórico. 





Nuno Ramos – É isso um homem
Inspirado em texto homônimo de Primo Levi, escritor italiano, sobre o período que estve num campo de concentração nazista.
“[...] a Torre de Carbureto, que se eleva no meio da fábrica e cujo topo raramente se enxerga na bruma, fomos nós que a construímos. Seus tijolos foram chamados Ziegel, briques, tegula, cegli, kamenny, bricks, téglak, e foi o ódio que os cimentou; o ódio e a discórdia, como a Torre de Babel, e assim a chamamos: Babelturm, bobelturm, e odiamos nela o sonho demente de grandeza dos nossos patrões, seu desprezo de Deus e dos homens, de nós homens. “
 


Referências:
RAMOS, Nuno. Ensaio Geral. Projetos, roteiros, ensaios, memórias.  São Paulo: Globo, 2007
NUNO RAMOS. Ed. Cobogó.
VIDLER, Anthony. Uma teoria sobre o estranhamente familiar (1990). In: NESBITT, Kate (Org.).
Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965-1995). São Paulo: Cosac Naify, 2006,
p.617-622.
HARTMAN, F.Violência e Discurso. In. http://www.freud-lacan.com/articles/article.php?url_article=fhartmann250906
FREUD, Sigmund. Obras Completas. Rio de Janeiro, Imago Ed., 1987.

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