Mark Tansey Monte Sainte Victoire
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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Hegel, a história da arte moderna e da arquitetura moderna

“Creio que o historiador da arte de nosso século tem de estudar Hegel, tanto quanto o estudioso da arte eclesiástica da Idade Média devia conhecer a Bíblia. Somente desta maneira ele poderá, por exemplo, aprender a compreender o surgimento triunfante da moderna arquitetura e sua crise atual.” 
Diz Ernest Gombrich (1988) que ainda exemplifica.
“Vejamos como Walter Gropius escreveu em 1923, em seu artigo The Idea and The Structure of The National Bauhaus: "A atitude de um período torna-se cristalizada para o mundo em suas edificações, pois nestas, tanto os recursos materiais quanto espirituais de uma época encontram sua expressão simultânea".  Conhecemos o tipo de expressão com que ele sonhava através do belo discurso feito por ele na abertura da exibição das obras dos estudantes, na Bauhaus: "Em lugar de organizações acadêmicas espalhando-se, assistiremos ao surgimento de pequenas ligas secretas e auto-suficientes, alojamentos, oficinas, associações, com o propósito de guardar o mistério que é a essência da fé, dando-lhe forma artística, até quando estes grupos isolados estarão fundidos mais uma vez por uma envolvente e vigorosa visão espiritual que deve, eventualmente, ativar sua manifestação em um grande Gesamkunstwerk, combinando todas as artes. Esta grande criação comunal, esta catedral do futuro iluminará, por sua vez, com sua radiação até os menores objetos do cotidiano".
“Espero que vocês também sintam o alcance intoxicante destas palavras de um grande arquiteto. Entretanto, uma intoxicação é frequentemente seguida por uma "ressaca". E, como se sabe, não tivemos que esperá-la por muito tempo. (...), na verdade, hoje em dia devemos receber bem todos os debates que ocorrem, onde quer que a arquitetura seja praticada e ensinada. É através do encontro de argumentos e contra-argumentos que aprendemos com os erros das últimas décadas [ele se refere à arquitetura moderna].”
Ernest Gombrich continua: “Nas artes visuais -pintura e escultura -a volta ao debate crítico não será tão fácil. Afinal, estas carecem do critério prático ao qual tais obras devem fazer justiça. Neste caso, o crítico é jogado contra si próprio. Naturalmente, não podemos exigir que o crítico não tenha sonhos para o futuro e preconceitos. Mas, em teoria, ele nunca tem o direito de operar com slogans do tipo "Nossa Era", e menos ainda com "Eras Futuras". A fala de Gombrich refere à repercussão da noção de tempo associada a modernidade concebida por Hegel que se espraia no campo da cultura, da arte e da arquitetura como se pode constatar a seguir. Jurgen Habermas no seu livro Discurso Filosófico da Modernidade corrobora com essa sentença.
Hegel e a Modernidade
Hegel [...] torna-se um filósofo essencialmente moderno, pois, para ele, o mundo que manifesta a Idéia não é uma natureza semelhante a si mesma em todos os tempos, para ele a Revolução Francesa mostra que as estruturas sociais, assim como os pensamentos dos homens, podem ser modificadas, subvertidas no decurso da história. Hegel discrimina acontecimentos-chaves da modernidade: a reforma, o iluminismo, a revolução francesa. Hegel caracteriza a fisionomia dos tempos modernos pela subjetividade, explicando-a por meio da liberdade e da reflexão. A expressão subjetividade implica sobretudo  4 conotações: individualismo; direito à crítica; autonomia do agir (o fato de queremos nos responsabilizarmos pelo que fazemos); a filosofia idealista. Hegel considera a tarefa da filosofia no mundo moderno a apreensão da idéia de si mesma (auto-definição).
O principio de subjetividade determina as configurações da cultura moderna.
Gombrich vai ilustrando a tese da influência de Hegel na História da arte/ arquitetura. Sabe-se que Karl Marx, por exemplo, opôs-se à tese de Hegel da primazia do espírito - a antítese da primazia da matéria -para, usando o famoso duplo sentido da dialética, cancelar e manter o sistema. Esta foi à tentativa de maior influência, mas não a única, para secularizar a metafísica hegeliana como tal, sem com isto sacrificar a sinopse de todos os eventos históricos. O esforço para "reconstruir" o espírito de época nas artes vai de Carl Schnaase a Jacob Burckhardt, Heinrich Wölfflin, Karl Lamprecht, Alois Riegl, Max Dvorak e Ervin Panofsky.
E vemos passear nas várias metodologias de estudo da arte o pensamento binário e a dialética:
·         Os cinco pares de conceitos opostos de Heinrich Wölfflin: Linear - Pictórico/ Plano – Profundidade/ Forma Fechada - Forma Aberta/ Mulltiplicidade – Unidade/ Claridade - Obscuridade,
·         Renato de Fusco com a sua dupla direção da arte no século XX”:divisão teórica da arte entre as tendências psicológica-expressiva e gnosiológica-construtiva notada desde o final do século XIX.”
·         Wilheim Worriger com os termos empatia e abstração, explicando tendências da arte em relação com geografia ao “mundo do mediterrâneo”, o clássico e a empatia; ao “mundo nórdigo”, o romântico e a abstração
·         Isso se apresenta mesmo no debate do campo artístico dos anos 1950, entre abstração e figuração.

O conceito de Kunstwollen ‑ “vontade artística ‑ elaborado por Alois Riegl, induz à abordagem objetiva, externa à arte, contrapondo-se aos estudos centrados na individualidade do artista e nas obras oriundas da estética do belo e da visão romântica do gênio. Riegl trabalha, assim, com a dualidade indivíduo e entidade coletiva, bem como aplica o método formal sem deixar de integrá-lo à análise histórica. O Kunstwollen situa-se em face ao “espírito de mundo” de Hegel e “vontade de poder” de Shoppenhauer/ Nietzsche, com vistas a obter uma síntese da dualidade entre indivíduo e entidade coletiva.
Riegl formula a evolução da antiga noção objetivista da realidade para a noção moderna de um espaço subjetivo, pois, não haveria contraste entre os objetos isolados e o ambiente atmosférico.  O conceito de Kunstwollen : uma vez constatado que as formas artísticas 'evoluem' no tempo, restaria perguntar-se qual seria o agente de suas contínuas metamorfoses. Opondo-se a Semper e seus seguidores, Riegl substitui o conceito de determinismo artístico (finalidades, materiais, técnicas) pelo de originalidade estilística, em suas etapas, segundo diversas intenções formais que as guiariam e que o estudo histórico permitiria extrair a posteriori.  Riegl reconduzia a obra de arte à sua gênese, a Kunstwollen, constitui-se a síntese das intenções artísticas de um período dado – e ao mesmo tempo - tendência e impulso estético, um valor real, uma espécie de mola mestra da arte.
Além de Alois Riegl também Erwin Panofsky também trabalha com a ideia de espírito do tempo na história da arte. Ervin Panofsky, seu estudo visou restituir o pleno rigor às categorias de uma verdadeira ‘filosofia da história da arte', de caráter indisfarçavelmente hegeliano, exercitado num paciente e lúcido trabalho de análise histórico-estilística (iconologia), representou a mais efetiva reação ao espírito excessivamente filológico das investigações históricas do século passado. Estes dois historiadores são muito influentes no meio da história da arte e da arquitetura
A definição de arte moderna de Giulio Carlo Argan, dentre outras, também converge à posição hegeliana: A arte moderna revela sua essência no romantismo, a forma e o conteúdo da arte romântica são determinados pela interioridade absoluta. Mas também na poiesis- um fazer metodológico, ancorado numa objetividade racionalizada. Argan propõe que arte moderna se manifesta na antítese ou dialética entre essas duas formas de arte (conforme discriminadas por Hegel): a clássica e a romântica.
Hegel emerge inclusive em Jurgen Habermas em suas proposições sobre a Modernidade, como uma época histórica, que tem conotações de uma época enquanto que moderno tem um significado estético marcado pela autocompreensão da arte de vanguarda (Habermas). Habermas ainda diz que:
“É na crítica estética que se toma consciência do problema de uma fundamentação da modernidade a partir de si própria. E isso se torna claro quando se traça a história do conceito de moderno. Esta se inicia na querela ente os antigos e modernos no séc. XVIII, França, quando separam os critérios de um belo relativo dado pela história, gosto e costume, e um belo absoluto”.
A relação entre modernidade e racionalização pensada por Max Weber também concorre para definição da arquitetura moderna relacionada á uma determinada expressão de tempo e historicidade (inescapável).
Poetas como Baudelaire aderem a noção de um tempo especifico. Ele coloca que a experiência estética funde-se com a experiência histórica da modernidade. A obra de arte coloca-se na interseção entre os eixos da atualidade e da transitoriedade. Com essa conotação, a modernidade torna-se um conceito de uma atualidade que se autoconsome, estabelecido no centro da idade moderna. Rimbaud dizia: é preciso ser absolutamente moderno.
 A modernidade é produto de processos globais de racionalização, que se deram na esfera econômica, política e cultural. A racionalização econômica é associada a uma mentalidade empresarial moderna, baseada no planejamento e na contabilidade, e ainda na constituição do trabalho assalariado.  Weber ainda trata da racionalização cultural com a dessacralização as visões de mundo tradicionais; e da diferenciação em esferas de valor autônomas: a ciência, a moral e a arte (Max Weber apud Habermas).
Cursos de Estética de Hegel
São lições dedicadas à estética, cujo objeto é o amplo reino do belo; de modo mais preciso, seu âmbito é a arte, na verdade, a bela arte. De acordo com Hegel, a designação estética decerto não é propriamente de todo adequada para este objeto, pois “estética” designa mais precisamente a ciência do sentido, da sensação. Com este significado, enquanto o que deveria ser uma disciplina filosófica, teve seu nascimento na escola de Wolf, na época na Alemanha as obras de arte eram consideradas em vista das sensações que deveriam provocar, como, por exemplo, as sensações de agrado, de admiração, de temor, de compaixão (...).
Estética segundo Hegel é a autêntica expressão para a nossa ciência é filosofia da arte, filosofia da bela arte. A delimitação da estética: Não trata do belo natural, mas da beleza artística, que está acima daquela sob aspecto formal, do conteúdo. O que é belo só é verdadeiramente belo quando toma parte da superioridade gerada por ela (espírito). Beleza natural é demasiadamente indeterminada, não possui critério, por isso não oferece interesse. A primeira dificuldade que surge, de acordo com Hegel, é sobre a possibilidade de a bela arte ser digna de tratamento científico.
          O belo possui sua vida na aparência;
          O meio deve ser adequado à dignidade da finalidade, porém a aparência e a ilusão não geram o verdadeiro; são da ordem do jogo.
          A ciência tem que refletir sobre os verdadeiros interesses do espírito segundo o modo verdadeiro da efetividade e o modo verdadeiro de sua representação.
          A beleza artística se apresenta ao sentido, à sensação, à intuição e à imaginação, possui um âmbito diverso do pensamento.
          A liberdade da produção e das configurações que fruímos na beleza artística; a liberdade é sua mais alta tarefa e é quando se situa na mesma esfera da religião.
          Os povos depositam na arte representações substanciais – trata-se de um mundo supra-sensível (transcendência) no qual penetra o pensamento (...).
          A arte é livre tanto em seus fins quanto em seus meios
          Longe de ser mera aparência deve-se atribuir aos fenômenos da arte a realidade superior e a existência verdadeira, que não se pode atribuir a efetividade cotidiana.
          A arte se contempla por meio do pensamento...
Finalidade da arte segundo Hegel não é a naturalidade nem a mera imitação dos fenômenos exteriores. Segundo ele, a arte deve efetivar o enunciado nada do que é humano me é estranho; deve permitir que os homens possam sentir; e ainda, pode ter fim pedagógico;
O conceito da arte em Hegel
Hegel discrimina um duplo aspecto: um conteúdo, uma finalidade, um significado; e em seguida a expressão, o fenômeno e a realidade deste conteúdo. Inclui, em 3º lugar a relação entre os dois. Na obra de arte há uma relação essencial entre o conteúdo e a expressão. A figura (gestalt) em sua aparição exterior dimensão e cor... Superação entre objetividade e subjetividade (conteúdo). O conteúdo abrande a liberdade diz Hegel.
Hegel e os princípios da história da arte
Ernest Gombrich (1988) ainda assevera que Hegel é o pai da história da arte, em seus aspectos modernos, pois, define os princípios da história da arte moderna. Toma emprestado de Winckelmann grande parte desses princípios, que são constantes em toda metamorfose, desenvolvimentos e processos. Os princípios são: transcendentalismo estético, coletivismo histórico, determinismo histórico, otimismo metafísico e relativismo.
O transcendentalismo estético, principio extraído de Winckelmann que celebra, na verdade, a presença visível do divino no trabalho do Homem. Hegel via em toda arte uma manifestação de valores transcendentais. Este é um ponto de vista difundido pelo neo-platonismo na vida intelectual europeia, que credita ao artista a habilidade de olhar para a Ideia e revelá-la aos outros. Talvez eu devesse chamar esta fé metafísica na arte de "transcendentalismo estético“ (Gombrich, 1988). A ideia da transcendência da arte torna-se transparência na forma secularizada. Nas palavras de Hegel, "a obra de arte só pode ser uma expressão de Deus se tira e extrai ...sem adulteração ...o espírito habitante da nação".
Assim: “Todo verdadeiro artista é um vidente, um profeta, não apenas um porta-voz de Deus, mas alguém que o ajuda a alcançar sua autoconsciência”
Hegel: a obra de arte é vista como a expressão do espírito de uma época que, como tal, aparece visível através de sua superfície. O termo "expressão", com sua ambiguidade evasiva, facilita esta transição, permitindo ao historiador desvendar a filosofia de uma era, ou suas condições econômicas, através de uma obra de arte. Um monumento de arte inexplicado torna-se, para Hegel, uma metáfora para o espírito de uma época inteira, a Efígie (Gombrich, 1988).
O coletivismo histórico é outro princípio absorvido de Winckelmann, coloca ênfase do papel destinado ao coletivo, à nação. “A arte grega não é tanto obra de mestres individuais quanto à expressão ou o reflexo do espírito grego” diz Gombrich.
Hegel retira de Winckelmann um terceiro aspecto o de um "determinismo histórico“ ‑ a explicação de como em toda a sua perfeição a arte grega traz em seu bojo até mesmo as sementes de sua decadência (Gombrich, 1988).
Otimismo metafísico, princípio que leva a arte tomar parte na autocriação do espírito, da mesma forma que na história da arte, trata-se de "revelar a verdade que está manifesta na história do mundo". Alguns conceitos da arquitetura moderna podem exemplificar: a forma segue a função / a verdade dos materiais/ a forma da estrutura como expressão dos esforços
O principio do relativismo propõe que a individualidade da obra de arte relaciona-se com algo individual, exige conhecimento detalhado se é para ser entendida e explicada (Gombrich, 1988).
"Todo artista original, e sobretudo todo gênio artístico, deve ser julgado por seus próprios padrões estéticos ...Cores e formas ...não são mais que símbolos da Idéia, símbolos que surgem na mente do artista quando tomado pelo sagrado Espírito do Mundo". Hegel
Etapas da arte
O determinismo histórico leva Hegel a dedicar-se a extrair o significado atribuído a cada forma de arte, a cada época, a cada estilo. Esta mesma consistência foi necessária para ajudar a enfatizar o cerne de sua doutrina, a chamada dialética que estabeleceu com firmeza o otimismo metafísico no relativismo. Esta relação pode ser melhor explicada se nos referirmos mais uma vez ao classicismo da antiguidade, que para Hegel culminou na escultura grega, já que, como forma de arte, a escultura coloca-se em algum ponto entre a arquitetura, esta inextricavelmente ligada à matéria, e a pintura, que representa o mais avançado processo da espiritualização, cujo verdadeiro tema é a luz . Para Hegel, mesmo a pintura representa apenas uma fase a ser ultrapassada antes de chegar à música, uma forma de arte quase completamente desmaterializada. Por sua vez, a música deve ceder espaço à poesia, que lida com significado puro. O valor de todas as artes, entretanto, é mais uma vez relativo, porque "a arte está longe de ser a expressão mais avançada do espírito"; é dissolvida na reflexão e substituída por pensamento puro, pela filosofia. Como resultado disto, a arte pertence ao passado leva ao postulado da morte da arte.
No movimento moderno a morte da arte se pratica, por exemplo: a arte abstrata precede o desaparecimento gradual do trágico. Como diz Ronaldo Brito: “Pensar a morte da arte, praticá-la por assim dizer, era a rotina das vanguardas” Ronaldo Brito.
E Terry Eagleton:
Desde os românticos tal esforço havia se constituído subjetivamente a partir do desejo burguês de incorporar a arte à vida social. E “matá-la” significava eliminar o seu peso institucional na vida dos indivíduos. Dar-lhe autonomia tal ao ponto de se integrar ao modo capitalista de produção, tornando-se, como mercadoria, anônima. Pensava-se, assim, que seria possível superar o impasse do saber dominante condicionado que estava às funções cognitivas e efeitos ético-políticos que a arte tinha, “e na medida em que ela existe para nada e para ninguém em especial, pode-se dizer que ela existe para si mesma: sua independência reside no fato de ter sido engolida pela produção de mercadorias” (Terry Eagleton).
Arthur Danto Por Angélica de Moraes
“Como resultado da compulsão fin de siècle de balanço, no apagar das luzes do século XX frutificaram teorias de fim dos tempos. Nas artes visuais, o cavaleiro do apocalipse seria o filósofo e crítico de arte norte-americano Arthur Danto e sua tese sobre o fim da arte. Se a Brillo Box (1964), de Andy Warhol, é arte, observou ele, qualquer coisa pode ser. Porque nada a diferencia das caixas comuns de detergente. Assim, não haveria nenhum modo especial de ser da obra de arte. Mas é bom atentar para o desdobramento dessa tese, que coloca as coisas em seus devidos lugares.”
“Em Após o Fim da Arte: Arte Contemporânea e os Limites da História (Edusp, 2006), Danto esclarece que o fim da arte consiste na tomada de consciência de sua verdadeira natureza filosófica. Ao invés de cancelar a validade do exercício da arte, ele a amplia e distende para abranger um campo ainda mais vasto. (Angélica de Moraes site Itaú)
“Em entrevista, Danto frisa que "vivemos uma liberdade inédita, transitamos indefinidamente pela memória da arte, embora prisioneiros do presente". Com tamanho repertório de signos, a arte contemporânea pode abranger espectro jamais exercitado. Se somarmos a isso os recursos de expressão e circulação trazidos pelos meios eletrônicos e a imagem digital, estamos longe de precisar assumir atitudes soturnas ou crepusculares ao falarmos de arte.
Em posfácio à edição brasileira de Após o Fim da Arte, Virginia Aita expõe o cerne da questão: "O 'fim da arte em Danto não significa a morte da arte, mas o fim das restrições históricas à criação artística e mais especificamente o fim de uma era da arte: a era da estética' ".
Maria Angélica diz:
“Essa tese de Danto (Bollin Series, Princeton University Press, 1997) amplia o campo de atuação da crítica de arte, frisando seu papel de crítica da produção simbólica. Porque toda obra de arte está imersa na rede de signos vigentes em sua época. Daí decorre que nem toda arte pode ser arte o tempo todo. Há arte que não ultrapassa sua época porque os elementos para analisá-la não conseguem nos alcançar na atualidade. Isso não significa que não tenha sido arte, e sim que não temos as ferramentas para identificá-la atualmente como arte.”
(texto de trabalho, inconcluso)
Referências
EAGLETON, Terry. A ideologia estética. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.
GOMBRICH, Ernest. Hegel e a História da Arte In Gávea n. 5, abril, 1988
GOMBRICH. Ernest H. Para uma História Cultural. Lisboa: Trajectos, 1994.
HABERMAS, Jürgen. O Discurso Filosófico da Modernidade. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1990.
HEGEL, G.W.F. Curso de Estética I. São Paulo: EDUSP, 2001.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Querelle des Anciens et des Modernes.

Jurgen Habermas na defesa da modernidade enquanto um “projeto incabado” em seu livro “Discurso Filosófico da Modernidade” aponta que “é primeiramente no domínio da crítica estética que se toma consciência de uma fundamentação da modernidade a partir de si própria, e isso se torna claro quando se traça a história do conceito de “moderno”. “O processo de separação do paradigma da arte antiga é iniciada na célebre Querelle des Anciens et des Modernes. O partido dos modernos insurge-se contra a idéia que o classicismo francês tem de si próprio, assimilando o conceito aristotélico de perfeição ao do progresso tal como fora sugerido pelas modernas ciências da natureza. Os “modernos” põem em questão, com argumentos de crítica histórica o sentido de imitação dos modelos antigos, em face das normas de uma beleza absoluta, aparentemente desligada do tempo, elaboram os critérios de um belo relativo e condicionado pelo tempo e, dessa forma, articulam a autocompreensão do Iluminismo francês, como recomeço epocal. Conquanto o substantivo modernitas (juntamente com os adjetivos antiqui/moderni fosse já usado no sentido cronológico desde os fins da Antiguidade) (...). só muito tarde, mais ou menos, a partir do Século XIX, é que o adjetivo moderno foi substantivado, e de novo, pela primeira vez no domínio das Belas Artes”. Assim se explica as expressões modernidade, Moderne, Modernität, modernité, que conservam até hoje um cerne de significado estético pela autocompreensão da arte de vanguarda. (Habermas, p. 19-20).

Habermas também relata, com base na análise dos textos de Hegel, que a idade moderna elabora um “ diagnóstico dos novos tempos e a análise das eras passadas” em mútua relação. “A isso corresponde a nova experiência do progredir e da aceleração dos acontecimentos históricos, e também, a compreensão da simultaneidade cronológica de desenvolvimento não simultâneo. É então que se cria a representação da história como processo homogêneo criador de problemas”, do tempo concebido como pressão. O espírito da época [Zeitgest] caracteriza o presente como uma transição que se concome entre a consiência de aceleração e a expectativa do que há de diferente. (Habermas, p. 17).

Os Antecedentes da Querelle des Anciens et des Modernes na Arquitetura
A Academia Real era o dispositivo de controle da qualidade da arquitetura e da construção, nos séculos XVII e XVIII (período pré revolucionário). A Academia constitui o referencial teórico que condicionava a ação dos arquitetos, conferindo lhes uma relativa autoridade de exercer a profissão. A L’académie Royale D’architecture foi criada em 1671  por Colbert, ministro de Luis XIV (LASSANCE).
A L’académie Royale D’architecture tinha como missão oficial aconselhar a Superintendência dos Edifícios do Rei. Pretendia também perpetuar uma determinada maneira de construir, que fizesse a arquitetura a forma de expressão do Estado absolutista, expressão do seu poder. Constitui-se como a primeira forma institucionalizada de ensino, privilegiando o estudo das ordens clássicas e sua utilização como verdadeiros cânones da academia. A academia impunha o domínio das regras da arquitetura em relação ás regras e as técnicas da construção (LASSANCE).
Esta autoridade balizada pelo rei colocou os arquitetos em concorrência direta com outros agentes da construção como as corporações de ofício que comandavam o setor da construção desde a Idade Média,  assim como os engenheiros civis formados pela Ecole des Ponts et Chaussées, fundada em 1747. Os engenheiros competiam com os arquitetos porque se atribuem (e abarcam), às vésperas da Revolução Francesa, todo o vasto domínio do planejamento e do equipamento urbano e territorial. Os arquitetos, então, resolveram aproximar-se do racionalismo iluminista. Assim os preceitos de Vitrúvio (29 D.C.) foram adaptados ao conhecimento científico da época. Uma faceta dessa discussão constitui-se, exatamente, a querela (disputa, polêmica) entre os antigos e os modernos (LASSANCE): Querelle des Anciens et des Modernes.
Os dois principais antagonistas da disputa entre os antigos e modernos foram François Blondel (partido dos antigos) e Claude Perrault (modernos). O motivo da discussão foi uma publicação do antigo tratado de Vitrúvio por Claude Perrault (1613-1688), que traduz e edita os Dez livros de Arquitetura de Vitrúvio em 1673. Este é acompanhado de muitas gravuras e notas que são interpretações do texto antigo e não cópias do original  Estas interpretações provocam um debate e disputa entre Perrault e Blondel.
A posição de François Blondel (1618-1686), publica seu livro “enseignement à l’Académie royale d'architecture de 1675 à 1685” sous le titre " Cours d’architecture ". Nesta publicação, Blondel expressa sua compreensão dos conceitos de proporção, sua concepção de beleza que se opõe a de Claude Perrault e de seu irmão Charles, autor de "Parallèle de l’architecture antique avec la moderne " que provoca em1650 la querelle des Anciens et des Modernes.
A polêmica era basicamente uma discussão estética, sua questão principal era: A beleza é conseqüência de regras válidas ou vem imposta pelo prestígio dos antigos?
François Blondel acreditava que existia uma beleza em si, proporcionada pela natureza, e as proporções que os arquitetos combinam as formas demonstravam que carregavam em si a idéia de beleza. Blondel ligado à academia real estava interessado numa linguagem universal, contra a degenerência individualista que a posiçãode Perrault possibilitaria.
Claude Perrault, acostumado ao método analítico de diversas espécies e buscas de causalidades. Invocava a diversidade de opiniões. E discordava da idéia que a regras de proporção deveriam ser invariáveis. Para ele existiam regras diversas para construir de acordo com diversas intenções de fazer um edifício maciço ou elegante. Perrault distingue dois tipos de beleza: a de valor permanente e universal e a que tem valor transitório, ligada ao costume e a moda. Perrault dizia que regras feitas a 3000 anos não pode regular o que se faz hoje (sec. XVII). Tudo muda inclusive a beleza e as idéias.

Por fim declarava-se que o “gosto” não dependia mais de uma proporção ou regra, mas da emoção/ sentimento do espectador. Em 1793, a academia foi extinta, e firam explícitas as contradições entre Racionalismo e academicismo.
Na querela entre os antigos e modernos estava em jogo a definição da “verdade da natureza dos estilos” e sua razão histórica. Os antigos defendiam o valor mítico enquanto os modernos mostravam o seu caráter instrumental e racionalizador. A defesa do código clássico não resistia a confrontação com os vestígios dos edifícios da antiguidade que eram analisados (Lassance, op. Cit.) Por fim os modernos “vencem” e ocorre a distinção entre ordem, estrutura e códigos estilísticos. A estrutura construtiva adquire valor de essência; a equiparação entre estrutura e ordem torna-se uma condição estrutural e compositiva. Ainda, os modernos põem em questão o sentido da imitação dos modelos antigos, em face das normas de uma beleza absoluta, deslocada no tempo, e elaboram critérios de um belo relativo e condicionado pelo tempo.
Na querela entre os antigos e modernos a crítica, a recusa de ser governado por uma autoridade mítica podem-se verificar a dúvida a confiabilidade dos antigos tratados, métodos que buscavam garantir a “perfeição da experiências do projeto e construção, tal como indica o primeiro ponto da critica à governabilidade Foucault (em o que é a crítica?) “a Escritura era verdadeira?” e ainda da dúvida em face da autoridade. Como dito acima por Lassance : “A defesa do código clássico não resistia a confrontação com os vestígios dos edifícios da antiguidade que eram analisados” sobretudo nas escavações arqueológicas.

Referências
HABERMAS, Jürgen. O Discurso Filosófico da Modernidade. Lisboa: Presença. 1990.
LASSANCE, Gulherme. Ensino e teoria da Arquitetura na França do século XIX. In Leituras em Teoria da Arquitetura. Ed.Viana & Mosley