• Michel Foucault. O que é a crítica?
O que Kant descrevia como a Aufklärung, é o que eu tentei [Foucault] até agora descrever como a crítica, como essa atitude crítica que se vê aparecer como atitude específica no Ocidente a partir, creio, do que foi historicamente o grande processo de governamentalização da sociedade.
• Com relação a essa Aufklärung (cujo emblema, vocês bem o sabem e Kant lembra, é "sapere aude", não sem que uma outra voz, aquela de Frederico II, diz em contraponto "que eles raciocinem tanto quanto querem contanto que obedeçam"), em todo caso, com relação a esse Aufklärung, como Kant vai definir a crítica? Ou em todo caso, pois eu não tenho a pretensão de retomar o que foi o projeto crítico kantiano no seu rigor filosófico, eu não me permitiria, diante de um tal auditório de filósofos, não sendo eu mesmo filósofo, sendo mal um crítico, com relação a essa Aufklärung, como se poderia situar a crítica, propriamente dita?
•Se efetivamente Kant chama todo esse movimento crítico que precedeu a Aufklärung, como vai situar, ele, o que entende pela crítica? (...) em relação à Aufklärung, a crítica será aos olhos de Kant o que ele dirá ao saber: você sabe bem até onde pode saber? raciocina tanto quanto querias, mas você sabe bem até onde pode raciocinar sem perigo?
•A crítica dirá, em suma, que está menos no que nós empreendemos, com mais ou menos coragem, do que na idéia que nós fazemos do nosso conhecimento e dos seus limites, que aí vai a nossa liberdade, e que, por conseqüência, ao invés de deixar dizer por um outro "obedeça", é nesse momento, quando se terá feito do seu próprio conhecimento uma idéia justa, que se poderá descobrir o princípio da autonomia e que não se terá mais que escutar o obedeça; ou antes que o obedeça estará fundado sobre a autonomia mesma.
•(...) para Kant, essa verdadeira coragem de saber que foi invocada pela Aufklärung, esta mesma coragem de saber consiste em reconhecer os limites do conhecimento; e seria fácil mostrar que para ele a autonomia está longe de ser oposta à obediência aos soberanos. Mas disso não fica menos que Kant fixou para a crítica em seu empreendimento de desassujeitamento em relação ao jogo do poder e da verdade, como tarefa primordial, como prolegômeno a toda Aufklärung presente e futura, de conhecer o conhecimento.
Na Alemanha e, (...) ela se desenvolveu sobretudo no que se poderia chamar uma esquerda alemã. Em todo caso, da esquerda hegeliana à Escola de Frankfurt, houve toda uma crítica do positivismo, do objetivismo, da racionalização, da technè e da tecnicização, toda uma crítica das relações entre o projeto fundamental da ciência e da técnica, que tem por objetivo fazer aparecer os elos entre uma presunção ingênua da ciência de um lado, e as formas de dominação próprias à forma da sociedade contemporânea de outro.
Para tomar como exemplo aquele que sem dúvida nenhuma que foi o mais longínquo do que se poderia chamar de uma crítica de esquerda, não se pode esquecer que Husserl em 1936 referia a crise contemporânea da humanidade européia a algo que abrigava a questão das relações do conhecimento à técnica, da épistèmè à technè.
•Na França, as condições para o exercício da filosofia e da reflexão política foram muito diferentes, (...)
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