Mark Tansey Monte Sainte Victoire

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Fronteiras entre a crítica e a história da arte


Fronteiras da crítica

A história e a crítica da arte e da arquitetura, apesar de suas finalidades distintas, possuem identidades, ao ponto de não considerarem “nenhuma distinção no plano teórico” entre elas[1]. Numa linha que vem de Benedetto Croce, Lionello Venturi, Giulio Carlo Argan, Manfredo Tafuri, até Marina Waisman, grande parte dos estudos sobre arte afirmam a unidade entre crítica e historia da arte: argumentando que “juízo artístico é juízo histórico”[2], como Argan.
Nesta linha de argumentação, para Manfredo Tafuri não se concebe:“isolar a crítica num limbo abstratamente dedicado à análise da atualidade - como se existisse um tempo “atual” que já não seja histórico”[3]
A história e a crítica coincidem no ponto de vista teórico, ao inserirem-se dentro do significado que o criticismo adquiriu desde Emanuel Kant[4]; apontando que os domínios da crítica e da história dizem menos respeito aos seus objetos, de que sobre a possibilidade de conhece-los, dentro dos limites da linguagem, mediante o discurso. No entanto, a relação entre história e a crítica não é isenta de conflitos, e redefine-se constantemente no processo histórico da arte. Coloca-se assim, a necessidade de explicitação da relação entre história e crítica no discurso e no campo da arte.
Postula-se neste trabalho que as diferenças de finalidade entre crítica e história se estabelecem no quadro de formações históricas distintas[5]; que as situam em condições disciplinares distintas. A história e a crítica interferem na vida da criação artística, mediante as capacidades de discriminação e de interpretação[6]; que abordam a “manifestação da possibilidade de ser e do significado” da obra[7]. Porém, enquanto a crítica desloca o objeto do contexto, ressaltando as noções de hierarquia e rarefação. A história por intermédio de categorias analíticas definidas, busca estabelecer relações entre o objeto recortado, significados e contextos[8].
A escrita na história cria modelos destinados a tornar objetos pensáveis[9], que parte de um lugar próprio que é seu método; como diz Lévi-Strauss “a história é um método ao qual não corresponde um objeto específico”[10]. Enquanto a crítica está ligada ao estado da arte, referida à experiência e às transformações inerentes do campo da arte. Isso torna procedente a imagem: “A crítica segue a arte, como a sombra ao corpo”[11].
A crítica relacionada aos movimentos modernos assenta-se num “empirismo despreconceituado”, segundo Tafuri[12]. Na verdade, aborda tendências artísticas cujo o amplo entendimento dependem de sua referência discursiva. Trabalha “mais com as intencionalidades do que com os resultados dos trabalhos artísticos”[13]. Esta ação concebe a operação da crítica não somente formuladora de juízos sobre as obras, mas como método de acabamento destas. Walter Benjamin aponta a gênese deste processo da crítica no romantismo[14]; nesta perspectiva, a crítica torna-se desdobramento e reflexão.
A crítica desconstrói e descontextualiza o objeto, destacando-o do “mundo ordinário”, tanto espacial e quanto temporal[15], convertendo-se em texto ou imagem. Esta lógica do recorte da crítica coloca sua incapacidade de controlar os efeitos de sua prática discursiva[16]. Assim, a crítica pode ser compreendida como uma prática instável e não unívoca; cujo recurso à instrumentos de análise heterogêneos em sua prática, abalam a permanência de uma identidade[17]. Além disso,“o criticismo vive de crises, só é pensável como crítica e superação dos seus próprios resultados”[18]
As reflexões sobre a arte e arquitetura devem aproximar-se da realidade prática em que se inserem, com o seu campo de poder. A contiguidade entre a crítica e o poder, coloca os limites do que se pode dizer de uma obra, como diz Roland Barthes: “um crítico não pode dizer qualquer coisa[19]. O crítico é condicionado pela “origem social e as propriedades socialmente constituídas” no campo da arte[20]. Mas,
“(...) o estado das relações de forças nessa luta depende da autonomia de que dispõe globalmente o campo; ou seja, do grau em que suas normas e suas sanções conseguem impor-se ao conjunto dos produtores de bens culturais”[21].
Em síntese, o reconhecimento da crítica de arte depende sempre das direções possíveis do campo da arte, e dos outros campos com os quais a arte se relaciona, e das condições colocadas à sua prática. A crítica tem que jogar sempre num terreno que não é propriamente o seu, mas num terreno que compartilha com outros. O estatuto científico que a história já aspirou, e é hoje questionado, não seria praticável pela crítica, embora buscasse contiguidade com o método científico, e mesmo constituir-se disciplina em vários períodos da história da arte moderna. A crítica de arte, como produtora de sentenças, não pode ser objetiva[22].


[1]ARGAN, Giulio C. (1988). Arte e Crítica de Arte . Lisboa. Editorial Estampa, p. 142
[2]Idem. Ibidem. p. 142
[3]TAFURI. op. cit., p. 214
[4]KANT. Emanuel (1993). Crítica da Faculdade de Juízo. Rio de Janeiro: Forense. (2 ed. 1793)
[5]Tratado na Parte I, cap. II da dissertação de mestrado de Clara Luiza Miranda na USP São Carlos, orientada por Carlos Martins. A crítica nas revistas de arquitetura nos anos 1950 (...).
[6]PONENTE, Nello. Prefácio In VENTURI, Lionello. História da Crítica de Arte. Lisboa: Presença, 1984, p. 15
[7]EINSEMAN. Peter. (1996). Estratégias del Signo. Giuseppe Terragni y la idea de un texto crítico. Arquitetura Viva. Madrid. n. 48, mai-jun. pp. 66-69
[8]Considera-se esta clivagem de operações para fins analíticos, não entendendo-as como uma distinção definitiva.
[9]CERTEAU. op. cit.
[10]LÉVI-STRAUSS, Claude. (1989). História e Dialética in O Pensamento Selvagem. Campinas: Papirus, pp. 273-298
[11]RUBIÓ, Javier. (1980). La Razon Ética. In DEXEUS, Victória C. El Descrédito de las Vanguardas. Barcelona: Hermann Blume,
[12]TAFURI, op. cit., p. 26
[13]ARGAN. Arte e Crítica de Arte, p. 129
[14] BENJAMIN, Walter. (1993). O Conceito de Crítica de Arte no Romantismo Alemão, São Paulo: EDUSP: Iluminuras, (ed. original 1919), Cf. p.77 e 85
[15]WHITEMAN, John. (1983). Representation and Experience in Contemporary Architecture: Architecture in an Age of Criticism. in The Harvard Review. pp. 136-145
[16]Idem, Ibidem, p. 140.
[17]IRACE, Fúlvio. (1989). La critica architettonica: note per un dialogo. Op. Cit. Nápoles. n. 76, set., p. 11
[18]ARGAN, Projeto e Destino Apud. TAFURI, Manfredo. (1979). Teorias e História da Arquitetura. Lisboa: Presença; São Paulo: Martins Fontes, p. 29
[19]BARTHES, Roland. (1970). Crítica e Verdade, São Paulo: Perspectiva, p. 221
[20]BORDIEU, Pierre. (1996). As regras da arte, Gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Companhia das Letras, (trad. Maria Lúcia Machado) p. 243-44
[21]Idem. Ibidem. p. 246
[22] PASINI, Roberto, Roberto. Paradigma della critica d’arte. Op. Cit., Nápoles. n. 74, jan., 1989, p. 27

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