Mark Tansey Monte Sainte Victoire

sábado, 10 de setembro de 2011

O DIAGRAMA DA LINHA.

DIAGRAMA DA LINHA. A partir de Cláudio Ulpiano

ULPIANO. Claudio. A Estética Deleuziana.  Oficina Três Rios (SP). (transcrição das fitas: Mara Selaibe), 1993


O Platão quer constituir um sistema de saber. O Platão vai e constrói o que se chama o diagrama da linha. O que é exatamente isso? É o Platão fazendo uma distinção entre o que vai se chamar, mais tarde, mundo sensível e mundo inteligívelObjetos em cima da linha. Em cima da linha vão aparecer os objetos matemáticos e o que ele vai chamar de essências - que é uma palavra um pouco complicada na filosofia. Ele, então, chega à conclusão de que sobre os objetos matemáticos e sobre as essências, ele pode constituir um saber porque eles são estáveis, têm estabilidade, não se modificam, são sempre a mesma coisa. Por exemplo, 2+2=4, sempre.
Resende, UFRG


Quando uma coisa torna-se submissa à outra e se submete ao modelo da outra, esta que se submete torna-se cópia. Então, para Platão, todos os objetos que estão em baixo da linha e que se submetem aos que estão acima da linha tornan-se cópias. Assim, no mundo sensível, neste mundo em que nós vivemos, existem cópias.

A eikones é o mundo das imagens: reflexos, sombras, imagens.

As cópias são muito bem consideradas por Platão porque elas se submetem aos objetos que estão acima da linha e o saber pode se constituir sobre as cópias porque o saber se dá sobre os objetos acima da linha e compreende os abaixo da linha - são os objetos limitados. Mas, os simulacros, que não se submetem a nada que está acima da linha, eles são ilimitados, infinitos, eles nunca acabam nem começam. Nenhum saber, segundo Platão, poderia se constituir sobre eles.Então, nós teríamos esse confronto entre as cópias de um lado e os simulacros de outro. Outra dualidade platônica. A questão platônica é de não deixar vigorar os simulacros, é afastar os simulacros da cidade, afastar os simulacros dos homens, botar os homens ligados às cópias, constituir uma sociedade organizada através das cópias com a expulsão desses simulacros.

A arte vai se chamar Arte Figurativa no momento em que ela reproduz essa forma que eu acabei de colocar para vocês - ela é uma arte representativa que seria a eikones submetida aos objetos superiores. Assim, teria uma arte da representação ou figurativa (modelo/cópia) sempre que um objeto estivesse representando um outro objeto.A partir de 1910, começou um movimento no Ocidente que se chama Arte Abstrata; logo em seguida começou a aparecer a Arte Informal. Mas, sobretudo a arte abstrata seria uma arte que visaria romper com o figurativo. Aparentemente - depois se verá que não é - seria uma arte contra o platonismo porque seria uma arte que ao invés de ser cópia de um modelo, seria uma arte que pretenderia não copiar mais modelo algum. Assim, aparentemente, a partir de 1905, 1910 surgiria, com Mondrian, Kandinsky uma arte que começaria a romper com o figurativo nascendo essa arte abstrata que não teria a preocupação de representar objetos.A arte figurativa - que eu coloquei como sendo o modelo platônico - é uma arte de representação ilustrativa e narrativa. Em seguida o nascimento da arte abstrata. Mas nem a primeira nem a segunda fariam parte da estética deleuziana.A estética deleuziana é, exatamente, a estética do simulacro e, então, é uma arte nem figurativa nem abstrata. Deleuze, utilizando uma terminologia de um outro pensador francês, vai chamar essa arte de Arte Figural. Um pintor coloca na tela os objetos percebidos pela visão. Então, aparentemente, nas artes plásticas há uma dominação do olhar. Mas, vamos dizer que a preocupação de um pintor seria recolocar na tela, através da percepção, os objetos com os quais ele entra em contato no mundo. Daí, a pintura, classicamente, seria a transposição de objetos da percepção para a tela.

Contemplação- Neste sentido o espaço visual, acima de tudo, uma construção de bom senso, resultado de uma percepção uni-sensorial baseada na interação mente-olho. Cf. Martin Grossmann

A percepção visual nos ofereceria possibilidade de nós entrarmos em contato com determinados objetos. E, nós vamos ver o Deleuze e ele introduz um nome novo na teoria da sensibilidade: percepto. Percepção haveria o percepto. Com a percepção nós vemos o que? Nós vemos as coisas, as imagens, não é isso? É isso que a percepção nos dá. Sempre que nós queremos perceber uma coisa visual, com os olhos eu vou e percebo os objetos no mundo. O percepto, não; o percepto não percebe coisas. O percepto entraria em contato com sensações. E nós dizemos: mas o que será isso? O pintor ao invés de se preocupar em repor na sua tela aquilo que a percepção apreende, vai nascer essa figura chamada percepto que tem o objetivo de apreender as sensações que nós nem mesmo sabemos do que se trata. Há uma frase atribuída a Paul Klee, contra Platão, contra a representação, contra a arte figurativa. Porque tanto Paul Klee quanto Cézanne dizem mais ou menos isso: Pintar não é representar o visível (representar o visivel quem faz é a percepção); pintar é tornar visível o invisível.


Cézanne: (parênteses na fala de Ulpiano)

"Eu sou a consciência da paisagem que se pensa em mim".

“A paisagem reflete-se, humaniza-se, pensa-se em mim. Eu a objetivizo, projeto-a, fixo-a na minha tela. Sinto-me ser a consciência subjetiva desta paisagem e a minha tela como se fosse a sua consciência objetiva”. A paisagem que surge está iluminada pelas vicissitudes de um olhar temporalizado, pessoalizado que conceitualmente a recria: “Durante muito tempo fiquei sem conseguir, sem saber pintar o monte de Sainte Victoire, porque eu imaginava a sombra côncava (…), quando, repare, ela afinal é convexa, foge do seu centro. (…). Para que se possa pintar uma paisagem é preciso conhecer os seus apoios geológicos”.

Cézane, eu quis copiar a natureza, mas não consegui.

“Pintar segundo a natureza (…) não significa copiar a natureza” ou, mais extremadamente ainda “Antes de mais um quadro não representa nada”

“ Se ele [o artista] intervém, se ele, pequeno como é, ousa misturar-se voluntariamente ao que tem de traduzir, a sua pequenez aí se infiltrará”.

“Tudo na natureza se modela segundo a esfera, o cone e o cilindro. É preciso aprender a pintar sobre estas figuras simples”, matéria teórica, princípio de invenção: “Eu procuro a luz, o cilindro e a esfera, desejo criar com a cor, o negro e o branco (…) Não tenho doutrina (…) mas preciso da teoria, da sensação e da teoria”.

A matéria plástica de modo algum é o visível. A matéria plástica é o invisível, o que ele chama de sensações. Então, nós temos agora um confronto de um lado entre o percepto e a percepção e, de outro lado, entre a matéria do percepto, que é a sensação invisível, e a matéria da percepção, que são os objetos que nós estamos acostumados a entrar em contato. Agora, o que seria, exatamente, essa sensação? O que seria esse invisível?

O que o Deleuze e o Guattari chamam de sensações, o que eles chamam de percepto - que não são objetos apreendidos pela percepção - e que seria a matéria da arte figural, são as forças. Trata-se de pintar as forças. Mas o que é isso? Que forças são essas?[i]
Em Cézanne: as forças que dobram as montanhas. Se nós formos para a teoria da relatividade: as forças que dobram o espaço, as forças que transformam os corpos, as forças que atravessam a Natureza. Inicialmente é difícil falar dessas forças. Vamos dizer que essas forças sejam o próprio tempo. O pintor ao invés de estar preocupado em reproduzir as formas das coisas, ele estaria preocupado - no caso o Cézanne; o Paul Klee, de alguma maneira; o Bacon, sem dúvida alguma - em pintar os afectos do tempo, as forças do tempo.

Agora, nós, de repente, nós que estávamos acostumados a trabalhar com florestas, rios, barcos, submarinos, nós começamos a ter, como matéria de pensamento, o vazio do tempo. Ou seja, a experiência do artista não é cair na matéria que os homens banais, comuns caem diariamente; é afundar no vazio do tempo e tirar desse vazio do tempo... (pode chamar esse vazio do tempo por um nome mais moderno, mais utilizado agora: caos) - é mergulhar no caos e arrancar desse caos os afectos com os quais este mundo é constituído.

Então, o artista é quase que um pecador porque ele se mistura com Deus e quer, da mesma forma que Deus, criar novos mundos. E se não houvessem esses artistas criando novos mundos, Deus, que só fez um, nos obrigaria a viver nesse já insuportável (há séculos insuportável) e, se não fossem os artistas nós não teríamos o nascimento de sempre novos mundos. Quando nós pegamos um artista, por exemplo, Cézanne, Paul Klee, Francis Bacon, nós sabemos que cada artista desses tráz com ele uma quantidade de mundos que, se ele puder, ele vai passar para nós. E, exatamente, essa potência da arte não invade uma matéria pronta; ela invade o vazio do tempo, o vazio do caos e extrai disso potência de novos objetos. Então, a arte figural é uma arte preocupada com os afectos do tempo. E para a questão do Bacon... vejam... Bacon: afectos do tempo. Vamos ver outro. Talvez o Cézanne... talvez eu esteja exagerando, eu não sei. O Cézanne tinha uma preocupação - ele era um pintor barroco; talvez seja um pintor barroco - com as dobras, as dobras da matéria; pegar as dobras da matéria e passar para sua tela; não as formas, mas as dobras. O Bacon talvez seja um egípcio. A preocupação dele é com os espasmos do tempo. A preocupação dele é pintar forças, pintar espasmos. Imaginem! Pintar espasmos. Coisa linda!

Mas é fácil vocês entenderem na hora em que eu falar de um pintor mais afortunado - muito desafortunado na sua vida, mas muito afortunado aqui no fim do século - que é o Van Gogh. O Van Gogh também era um figural e também a preocupação dele era pintar forças, não formas. Então, ele se tornou um especialista de girassóis, mas a questão dele não são as formas dos girassóis; a questão dele são as germinações, as forças germinativas que produzem os (palavra inaudível).

Então, o Van Gogh penetra nas germinações, o Francis Bacon nos espasmos, o Cézanne nas dobras. Assim, nós começaríamos a sair da arte figurativa, da arte representativa, para entrar na arte das forças, na arte dos afectos. Forças e afectos. Ou seja, o pintor, o artista fazendo a mais espantosa das experiências: a experiência do uso do pensamento.

Eu vou explicar pensamento para vocês porque o conceito de pensamento é inteiramente confuso. Mas, então, é o pensamento fazendo suas experiências. O pensamento não é a mesma coisa que a inteligência.

A questão do Proust era escrever sobre sensações, a questão do Proust era o tempo, a mesma coisa que esses outros pintores. Agora, essas sensações não me aparecem; elas surgem para mim, mas eu convivo realmente com o que eu chamo de experiências vividas. As sensações são como pequenas almas.

Exatamente, eu posso chamar o Bacon com seus espasmos, posso chamar o Cézanne com suas dobras de "recherche" de almas, procura de almas que seria a arte. A arte que só pode ser feita pelo pensamento porque o pensamento, à diferença da inteligência, é ele que entra em contato com essas almas, é o pensamento que entra em contato com os conceitos, é o pensamento que entra em contato com os objetos da ciência.

A inteligência tem uma outra função. A inteligência - o Proust, por sinal, detesta a inteligência, detesta os homens inteligentes porque eles são muito exitosos, 'né? Eles obtêm êxito, eles são fantásticos, maravilhosos, ele organizam o mundo, eles entendem significações estabelecidas. A função da inteligência é exatamente essa de dar conta das significações estabelecidas, organizar a utilidade, produzir instrumentos eficazes. O pensamento, não. A questão do pensamento é lidar com o caos. Então, o pensamento vai lidar con o caos da arte, o caos da filosofia e o caos da ciência. Uns vão para o caos da arte - Cézanne, Bacon (Proust, não. Proust foi para o que havia de maior.). Então, é exatamente essa a diferença em termos de prática do artista que busca sensações, o artista que busca os espasmos, as dobras e as germinações e aquele que representa objetos no mundo: um trabalhando com o pensamento e o outro com a inteligência.

Então, pensamento não seria humano. Humana é a inteligência. O inconsciente não seria humano, não seria psicológico. O pensamento é extrapsicológico, é o que se chama de singularidade.

O artista, ele sofre com uma ambiguidade muito grande, sobretudo por causa das práticas dele. Se ele não é um homem de percepção, se ele é um homem de percepto e, se ele não é um homem da inteligência, se ele é um homem do pensamento as práticas utilitárias, a administração da sua vida pessoal torna-se muito difícil. É claro que há determinados artistas excepcionais - como um inglês, Turner, jazzista Charles Parker

Criar um novo tipo de homem, criar um novo tipo de subjetividade - não essa subjetividade materializada que nós temos aí - que faça novos tipos de experiências, experiências de afecto, como a Suely Rolnik coloca na obra dela. Novos tipos de experiência é talvez a produção de uma nova forma de vida que é o que se objetiva exatamente com a arte. Porque o que eu estou explicando um pouco para vocês é mostrar que o ato de fazer arte, de produzir uma arte é simultâneo à produção de uma pedagogia, da produção de uma nova forma de vida. O artista é um educador, por incrível que pareça. Van Gogh é um educador, Artaud é um educador


[i] Diferença não é diversidade . Diversidade é dada e diferença é aquilo pelo qual o dado é dado. Diferença não é fenômeno mas é adjacente ao fenômeno. Todo fenômeno se refere a desigualdade pelo qual é condicionado . Tudo que acontece e tudo que aparece é correlato em diferentes ordens de diferença: de nível, de temperatura, de pressão, tensão, potencial, diferenças de intensidade. A gênese da forma na sua relação de negociação cultural e de tensão criativa (intuitiva) é guiado por intensidades, é imanente.

Um comentário:

Silvia Ulpiano disse...

Oi, Clara: fiquei feliz em encontrar uma aula do Claudio postada em seu blog. Gostaria de convidá-la a entrar em: , e conhecer diversos outras aulas dele, em vídeo, em áudio e transcritas, que estamos disponibilizando ali. Nosso objetivo,nóss do Centro de Estudos Claudio Ulpiano (CCLULP) é preservar e divulgar o trabalho dele. A Mara me cedeu as fitas da Oficina Três Rios e, num determinado momento, essa aula também fará parte das aulas disponibilizadas pelo CCLULP.Um abraço, parabéns pelo blog, Silvia Ulpiano