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sábado, 10 de setembro de 2011

“Texto/Imagem enquanto dinâmica do Ocidente”


Este é um resumo com alguns poucos comentários do texto de Vilém Flusser “Texto/Imagem enquanto dinâmica do Ocidente”

“Texto/Imagem enquanto dinâmica do Ocidente” consiste na contradição existente entre o gesto que produz imagens e o gesto que produz textos. “O gesto rebate sobre a interioridade a transforma”. O gesto de imaginar (de fazer imagens) exprime imaginação – a produção de imagens fortalece a imaginação. O gesto de escrever textos exprime conceituação, quanto mais se escreve tanto mais se desenvolve a capacidade conceitual. Vilém Flusser conjetura que o inverso também ocorre se há redução da produção de imagens a imaginação diminui, a capacidade conceitual enfraquece com a escassez da produção de textos.
Vilém Flusser propôs quatro eventos cruciais na história ocidental, que permitem captar a “fenomenologia do espírito ocidental”. Primeiramente, com a imagem se articula a imaginação, com os primeiros textos se engendra a conceituação, com os primeiros impressos a conceituação começa a dominar a imaginação e com as primeiras fotografias advém uma imaginação nova, com conseqüências ainda imprevistas. Flusser propõe que o período entre Lascaux e os primeiros textos pode ser chamado de pré-história; enquanto o período que cobre os textos e os impressos Vilém Flusser chama de história no sentido exato da palavra; e finalmente o que parte da fotografia rumo ao que se segue pode ser chamado de “pós-história”.
A representação dos objetos: não mais alcançáveis pelas mãos, que deixam de ser manifestos – e passam a ser apenas superfícies que aparecem a vista – passam a ser “fenômenos aparentes”. “Ora, tais aparências possivelmente enganosas devem ser apanhadas simbolicamente por mãos portadoras de tintas. A intenção nisso é dupla: fixar visão fugaz e tornar tal visão acessível a outros. Imagem é visão tornada fixa e intersubjetiva. A confusão “crença” que a manipulação de imagens modifica objetos se converte em alucinação, em idolatria. E corresponde a consciência pré-histórica da magia.
Com os textos alfabéticos lineares constituem o gesto com que a o ocidente escreve, os elementos pictóricos (pictorema, idéia), ou, seja, “a superfície da imagem é transposta sobre linha, a fim que seu conteúdo seja contado um por um, seja calculado, “ex-plicado”. Os elementos pictóricos são transcodificados de “idéias” em conceitos.”
“No início, os elementos arrancados da imagem são serão modificados (escreve-se pictogramas), mais tarde serão conceitualizados (escreve-se ideogramas) e finalmente letras. Não se trata de substituir a bidimensionalidade da imaginação pela unidimensionalidade do pensamento conceitual, claro, distinto e progressivo. Os conceitos alinhados segundo regras “ortográficas” vão estabelecendo relações de cadeia (as da lógica, da causalidade).”
Surge uma zona conceitual entre o homem e sua imaginação através da qual o homem vai poder controlar sua imaginação para poder manipular racionalmente os objetos, com esse feedback a zona conceitual vai se desintensificando e as cadeias que ordenam o conceito vão ao extremos e se convertem em “textolatria”. De acordo com Flusser, não é verdade que a consciência imaginística tenha sido vencida ou reprimida, também não é verdade que a história ocidental seja ela própria processo linear que desenvolve imagens em textos, que transcodifica idéias em conceitos.
“Embora, os primeiros letrados (por exemplo, os profetas judeus e os pré-socráticos)[1] tenham violentamente engajado contra imagens, considerando-as alienantes (pecados, erros) as imagens resistiam a tais ataques. [Embora muitos assinalem a caracterização da imagem como eikon em oposição a logos, e uma civilização da imagem em contraposição a uma civilização da palavra]. A história do ocidente passou a ser dialética entre texto e imagem. O cristianismo, esta síntese do ocidente, pode ser visto como síntese entre texto e imagem[2].
Voltando a Flusser: com a invenção da imprensa a consciência histórica passou a dominar a sociedade toda. Isso porque impressos acessíveis e a introdução da escola obrigatória levam à uma inflação de textos. (...). “A conseqüência foi o domínio da ideologia de textos que obrigam a circunstância a adaptar-se ao escrito (...)”. Segundo esta hipótese de Vilém Flusser. “tal vitória do texto sobre a imagem é o fim da história ocidental sensu stricto. Os textos desimpedidos de imagens, vão projetando doravante sua própria estrutura sobre o mundo lá fora e cá dentro (calculi, campos, bit, elemento de desisão, actonia) conceitos inimagináveis (...).
Já o gesto fotográfico, trata de dar um passo para trás dos textos e arrancar conceitos dos quais são compostos, de torná-los imagináveis segundo Vilém Flusser:
 “A fotografia não é imagem de objetos, mas de elementos teoricamente concebidos (moléculas, fótons) e tais elementos concebidos vão ser imaginados (inseridos em imagem) a fim de representarem objetos. Por isso, toda fotografia vista de perto (“close reading”) deixa de ser imagem de objetos e passa a ser mosaico composto de partículas e intervalos.”
Durante a produção de imagens tradicionais o homem recua da circunstância a fim de abarcá-la com sua vista. Durante a produção das imagens técnicas o homem recua dos seus conceitos para imaginá-los. Vilém Flusser diz: “trata-se de computar o universo calculado (contado, concebido). De integrar os intervalos (os diferenciais) entre os elementos, a fim de pode imaginar (dar sentido) ao abismo absurdo. A consciência histórica linear, calculadora deve ceder lugar a consciência bidimensional, imaginativa, computadora. “Destarte, vai surgir zona imaginária nova entre o homem e seus conceitos (“o universo das imagens técnicas”), través do qual o homem vai poder imaginar seus conceitos”. Dado o feedback entre o gesto e a consciência, o universo das imagens técnicas (fotos, filmes, vídeos, imagens sintetizadas por computador) vai se desintensificando e nova capacidade de imaginar vai surgindo. O que é uma condição pós-histórica segundo Vilém Flusser. (...) “Ora, tal imaginação nova exige atitude nova perante o mundo” – ainda não conseguimos concebê-la apenas intuí-la diz Flusser.
“A consciência linear, histórica, textual projeta as regras da escrita sobre o mundo, e este vai adquiri caráter textual (...). Trata-se, pois, para a consciência histórica, decifrar o texto que é o mundo. é ele composto de signos (significantes), e tais signos devem ser interpretados. A consciência deve inclinar-se sobre o mundo significante e adequar-se a ele (...). Este gesto de inclinação é o da ciência da natureza. Ora a consciência emergente abandona decepcionada tal referência perante o mundo, porque “descobriu” que não há nada no mundo que possa ser decifrado. (...). Que o aparente caráter textual do mundo foi para lá projetado pela consciência humana (e sobretudo pela ciência da natureza). Que as ciências nada decifram da natureza a não ser a estrutura do seu próprio pensamento[3]. (...) é o homem quem projeta significado sobre mundo absurdo, e que tal projeção (...) é a dignidade humana.”
Trata-se, diz Flusser, “da reversão dos vetores de significado. Os textos históricos (tanto quanto as imagens pré-históricas) são espelhos que captam os signos provindos do mundo para interpretá-los. O mundo é seu significado.  As imagens técnicas são projetores que lançam signos no mundo, a fim de dar-lhes sentido. (...). Tais novas imagens significam conceitos cujo propósito é conferir significado ao mundo. Nova antropologia começa a cristalizar-se: o homem enquanto doador de sentido a si próprio e ao mundo.”
O propósito do pensamento conceitual (da consciência histórica) era criticar imagens, transcodificar idéias em conceitos. Seu propósito era des-magicizar, desmitificar, explicar, tornar claro e distinto. No quadro da nova consciência o propósito é servir a nova imaginação na sua tarefa de dar significado ao mundo.
“Tal nova antropologia terá sem dúvida conseqüências profundas, em sua maioria, imprevisíveis. Apenas um único exemplo: a ciência (...) deixará de ser disciplina que explica e passará a ser disciplina que confere significado. O que a transforma em disciplina artística, já que a arte (o pensamento imaginativo) sempre procura conferir significado. Ora, ciência enquanto uma entre as artes obrigará repensarmos os conceitos de “verdade” e “conhecimento”.”
Vilém Flusser diz que propõe neste ensaio que história é o processo graças ao qual imagens se desenvolvem em textos, portanto idéias transcodificadas em conceitos. Por sua vez, com a inversão da dialética “texto-imagem”, o engajamento histórico se torna inoperante, e isso Flusser chama da pós-história.´
Flusser diz que toda a história ocidental, nessa luta entre o conceito contra a idéia, se revela uma “comedia dos erros”. Em suma, o que Flusser denomina tragédia: “as imagens novas são a nossa derrota”.

Referências
FLUSSER, Vilém. Texto / Imagem Enquanto Dinâmica do Ocidente. In Cadernos Rioarte, Rio de Janeiro, ano II, n.5, jan., 1996
HANANIA, Aida R.. A palavra como arte. In http://www.hottopos.com.br/rih2/aida.htm
ULPIANO. Claudio. A Estética Deleuziana.  Oficina Três Rios (SP). (transcrição das fitas: Mara Selaibe), 1993
http://danielekizian.blogspot.com/2010/06/flusser-texto-e-imagem-para-ricardo.html



[1] Para Platão, a eikones é o mundo das imagens: reflexos, sombras, imagens do mundo das idéias. São cópias que se submetem ao modelo dado pelo mundo inteligível (em é possível a verdade, o bem e o belo). Mas, algum saber pode se constituir sobre as cópias porque o saber se dá sobre os objetos do mundo inteligível (das essências) – segundo Claudio Ulpiano.
[2] Entretanto, “Ao contrário da arte ocidental, fundada na poli-idealização, a arte árabe revela-se essencialista, expressando-se por uma forma decorativa não-figurativa, alicerçada fortemente na caligrafia do pensamento alcorânico” (...). "Na mesquita não há altares, não há imagens, mas há letras árabes em toda parte. Esses sinais, curiosamente revoltos e cursivos aparecem pintados e esculpidos nas paredes, tecidos nos tapetes e nos medalhões que pendem do teto. A letra árabe é a razão de ser da mesquita. (...)". Aida R. Hanania
[3] "... qualquer teoria em Física [científica] é sempre provisória, no sentido de que é apenas uma hipótese, você nunca pode prová-la em definitivo. Não importa quantas vezes os resultados das experiências estejam de acordo com algumas teorias, não se pode ter a certeza de que na próxima vez o resultado não irá contradizê-las. Por outro lado, você pode refutar uma teoria por encontrar uma única observação que não concorde com as suas previsões" - Stephen Hawking - Conforme publicado em Uma breve história do tempo
"A ciência só pode determinar o que é, não o que deve ser, e fora de seu domínio permanece a necessidade de juízos de valor de todos os tipos" (Albert Einstein). Conforme relatado por Singh, Simon - Big Bang (pág. 459)